segunda-feira, 6 de junho de 2022

CRÔNICA - Paraíso Fabuloso (RV)

 PARAISO FABULOSO
Reginaldo Vasconcelos* 

 

Eu não conto carneiros para conciliar o sono, ao contrário do que recomendavam os avozinhos. Se o letargo da exaustão não me espera no leito eu me entrego ao devaneio das notícias positivas que quereria receber sobre o País e sobre o Mundo. 

Não divago no berço a respeito de projetos e de problemas pessoais, reais ou imaginários, pois isso traria ansiedade, suscitaria urgências, cobraria providências, o que espancaria a paz de espírito e tornaria a insônia renitente e invencível. 

Em relação aos males do Mundo e da Nação que habitamos não há nada a fazer, além de torcer para que a luz vença as trevas no cabo de guerra do poder, e esperar que a obra de Deus siga o roteiro bíblico e épico dos grandes sacrifícios catabólicos, coroados pelo anabolismo das vitórias. 

Mas nesse cotejo que faço dos fatos atuais, com aqueles que imagino fosse ideal que se seguissem nas notícias, fico espantado com a realidade que enfrentamos hoje, e descubro, enfim, que estamos vivendo uma grande guerra, no Brasil e no Planeta como um todo, todo ele uma pústula de egoísmo e intolerância, sendo que o conflito bélico entre Rússia e Ucrânia é apenas o olho da fístula por onde supura a violência. 

A guerra que enfrentamos no momento é insidiosa, com escaramuças cavilosas de sexismo, de racismo reverso, de xenofobia mascarada, de negação da história, de inversão da ordem das coisas, de direitos inviáveis reclamados sem a contrapartida de deveres, com milhões de incautos clamando pela utopia tenebrosa. Tempo de criminalidade desvairada, com os lobos que os cães pastores não conseguem controlar barbarizando o rebanho cidadão.

Enfim, fujo da estupefação, tomo uma variante do pensamento e procuro me desviar dos absurdos constatados, do quadro surreal da sociedade moderna, que exuma Dali e joga tintas de nonsense sobre a lógica  a mentira transfigurada em “pós-verdade”, o risco de que as agressões aos trilhos da virtude termine por lançar a locomotiva do bom senso no precipício apocalíptico. 

Aí eu volto a lembrança aos meus afetos, aos ancestrais queridos que no mundo dos espíritos nos esperam, às joias humanas da família, ao cofre de tesouros em que guardo os amigos diletos, e assim apascento o espírito para campos mais sublimes, e posso voltar às quimeras entrevistas no noticiário do ideal, reorganizando o caos, restaurando a justiça dos homens, exaltando os bravos, acudindo os infelizes, e assim adormeço no meu paraíso fabuloso.

 

Um comentário:

  1. Que texto extraordinário, veraz, simples e profundo, fazendo com que nos remetamos aos cronistas mais antigos, com riqueza lingüística, raridade poética e rara simplicidade estilística!
    Maravilha da escrita brasileira.
    Há poucos redatores assim nos países lusófonos!
    Que graça, que airosidade pertencer à espécie desta pessoa.
    Queria somente vinte por cento deste estro!
    Meus emboras, Dr. Reginaldo!
    V.M.

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