segunda-feira, 27 de junho de 2022

ARTIGO - Kissinger (LA)

 

Kissinger:
Política, História e Diplomacia
Luciara de Aragão*

 

Neste momento difícil da política internacional, nada melhor do que um mergulho rápido na análise aguda de Henry Alfred Kissinger, o homem que por quarenta e cinco anos dá os rumos da política externa americana. Este judeu alemão, fugido da perseguição nazista, chega aos Estados Unidos, aos quinze anos, onde se revela como uma das mentes mais brilhantes do século XX.  Estrategista, diplomata, historiador formado por Harvard (depois seu professor), chegou a Secretário de Estado tendo como um dos seus maiores feitos, entre tantos outros, a aproximação dos EUA com a China, no governo Nixon. 

A ausência de atividades e práticas políticas nos dias de hoje, não neutraliza a sua presença intelectual respeitável, a extensão de suas obras, a repercussão   e o valor do seu legado, mesmo sem a investidura pública do poder. Tanto ele como Nixon se complementavam em termos de política externa, se “ele obtinha na História e no conceito de Geopolítica sua base mais forte para tecer avaliações, Nixon tinha como hobby a política exterior, que praticava com desembaraço a cada viagem “(Suely Moura in Carta Internacional, p. 12 ano VII, número 80). Kissinger faz da avaliação e análise de fatos a sua preocupação principal. Suas Memórias em três volumes (1979, 1982, 2001, estão longe de ser uma autobiografia), comentam fatos e estudam conjunturas da política externa, como a política externa do governo Richard Nixon.

 Diante de nossos olhos, sua obra desvela toda a história profissional de um grande pensador, um historiador em ação no século XX. Não se trata, pois, de uma história de memórias pessoais, mas do traçado de uma vida profissional, com temas como descolonização, decadência do comunismo e a nova ordem mundial, assunto título de um dos seus livros mis celebrados. A herança e os feitos de Nixon deslizam na sua pena experiente, além de fornecer uma visão da Grécia, Oriente Médio, a questão de Cuba, China, Relações Atlânticas, enfocadas de modo especial no terceiro volume de suas Memórias- Anos de Renovação (2001). Que dizer, então dos seus outros livros, compreendendo feixes e gamas de exposição e interpretação, compreendendo e amando a história, traçando e experiência dos homens? 

Após a renúncia de Nixon, com a conclusão do episódio Watergate, as tentativas do vice-presidente Gerald Ford, ao tentar restaurar a confiança perdida dos americanos, desconfiados das ações e propósitos de seus governantes, é duramente criticada pela imprensa e pela oposição. Kissinger opina, justifica e restaura a sua imagem para a história, quando afirma que ele não só deu o melhor de si, como tinha uma imensa habilidade, coragem, devoção e amor ao seus país. 

 A sua análise do governo Nixon, prefere o uso das próprias gravações, produzidas dentro do próprio gabinete presidencial. Ao tomar posse e saber do sistema de gravações na sua sala, Nixon optou por manter o sistema ininterrupto. Foram estes “Nixon tapes” os utilizados por Kissinger, privilegiando, como historiador, uma fonte primária. De muita relevância é a sua avaliação das relações de então, entre Estados Unidos e América Latina. 

Enquanto os Estados Unidos a viam como apropriada a uma oportunidade de expansão do desenvolvimento e de influência política, “a América Latina, temia esses interesses, e tentava simultaneamente salvaguardar sua política doméstica de intervenção e atrair aquele país para investimentos ou assistência. O paradoxo estava montado: a dificuldade de definir medidas de cooperação” (Suely Moura, idem. Ibidem). 

Isto é o que Kissinger conceitua como “percepção de ambivalência”. Seu espírito objetivo e arguto percebe que se perdia muito tempo com a América Latina quando ela podia dar pouco como retorno político, tendo fraca participação nos fóruns internacionais. Observação pertinente a sua sugestão de atuarmos no mundo tal como ele é e não atuar em conformidade do que desejaríamos. Isto também Ele não pode ser interpretado como o reconhecimento do que apregoa:  quanto mais integrado e globalizado é o mundo, menores são a margem de manobra no cenário mundial. Suas vivências ensinam que a complexidade inibe e a flexibilidade é a mestra. 

Conselheiro político de vários presidentes e diplomata da nação americana, nas mais variadas e difíceis situações, convive com a forte noção de excepcionalidade que a caracteriza e a crença permanente de ter sido formada para uma missão superior, consubstanciada no Destino Manifesto. Ele não perde de vista a importância dos EUA na Guerra Fria, o idealismo de Woodrow Wilson:  a importância do Plano Marshall e os persistentes esforços de contenção do comunismo, a defesa da Europa Ocidental e mesmo a Liga das Nações e sua transformação posterior em ONU. 

A intimidade de Kissinger com o jogo diplomático globalizado e a perspectiva de sua decisiva influência nos acontecimentos do século XX, fazem retornar os holofotes sobre ele, citado como possível conselheiro e estrategista da NOM (Nova ordem Mundial). Decerto não está alheio as formulações da nova ordem, tão sensível aos interesses do seu país onde teve influência política, ainda mais marcante, até o governo Reagan. Sua biografia nos revela que ele foi assessor de Segurança Nacional, Secretário de Estado dos Presidentes Nixon e Ford e conselheiro de muitos presidentes em assuntos relativos à segurança e a política internacional. Ganhador do Prêmio Nobel da Paz (1973) pelo fim da guerra do Vietnam (1959-1975) e responsável pelo acordo de paz entre Egito e Israel (1979) e da Medalha Presidencial, dentre outros prêmios e honrarias. No campo da diplomacia, conseguiu a retirada das tropas no Egito em Israel como condição para o acordo de paz firmado em Camp David (1979). 

As controvérsias o precedem e as críticas sempre o acompanharam.  No Brasil, o pesquisador Matias Specktor, (FGV/ CPDOC) encontrou um memorando do ex-diretor da CIA, William Colby, onde comunica a Kissinger (11 de abril de 1974) ter elementos comprobatórios do   conhecimento dos governos militares brasileiros sobre o desaparecimento de presos políticos no período do movimento de 1964.Isto demonstra o envolvimento dos EUA, em diferentes graus, na contenção do comunismo em toda a América Latina. Não lhe faltam ainda, acusações de crimes de guerra, nos casos de invasão da Indonésia ao Timor Leste (1975) e dos golpes de estado no Camboja, precedidos pelo Chile e Uruguai (1973). 

O interesse central de Kissinger, porém, quando secretário de Estado norte-americano, em sua primeira visita ao Brasil, repousa na condição do país como potência chave regional, aconselhando Nixon sobre a necessidade de uma condução produtiva de aproximação. Entre os vários documentos referentes a sua visita ao Brasil e a outros países da América Latina em 1976, no período do chanceler Azeredo da Silveira, constam temas como direito do mar, relações comerciais EUA-Brasil, reforma da Carta da OEA-Organização dos Estados Americanos e observações sobre a assinatura do Memorandum de Entendimento, que rege as relações bilaterais entre os dois países. (Manuscrito MRE Brasil – EUA 3.2. 1975 a 00.00.1976- CPDOC). Ao voltar ao Brasil (1976), cunhou a frase de ser o Brasil uma potência emergente. Sua política hemisférica contou com o apoio do Chanceler Azeredo da Silveira com quem compartilhava as mesmas opiniões quanto a um diálogo produtivo com a América Latina, numa política comum com os Estados Unidos, talvez célula embrionária do MERCOSUL. 

Independente dos rumos traçados ou não, para a política externa norte-americana, mesmo sem a liberdade de modificá-los, Kissinger tem palavras que aclaram não ter a História o condão de um entendimento pleno do presente e menos ainda a antecipação do que nos trará o amanhã. Sua proposta “considera que o conhecimento da História é a melhor forma de iluminar o percurso” (Luís Felipe Lampreia, in Apresentação do livro de Henry Kissinger, Diplomacia, RJ: Francisco Alves, 2001). Talvez por isso, possa interpretar os anseios da politica externa dos EUA, ostentando um grau de poder tal que lhe permitia agir como o “grande irmão”, que os seus líderes podiam insistir que, os seus desejos de expansão da democracia eram basicamente fornecer uma luz, servindo de farol aos assuntos internacionais hemisféricos ou não.


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