quarta-feira, 22 de junho de 2022

CRÔNICA - À Estefânia (TV)

 À ESTEFÂNIA
MINHA NEGA MULATA
Thiena Vasconcelos*
 

O aniversário dela não é hoje, dia 22 de junho... É no dia 23, mas nós sempre nos falamos à meia-noite, em todos os aniversários, então lá vai textão para ela. 

Ela faz 46 e eu estou na vida dela há quase 34 anos. Quantas histórias eu teria para contar! Quantos momentos temos para relembrar! Quanta vida ainda temos para viver! Aprontar, brigar e brigar e brigar... e brigar mais um pouco. 

Sou completamente apaixonada pela minha irmã, pelo que ela fez de mim, pelo que ela deixou em mim, pelo que ela faz dela. Orgulha-me, me acalma, me instrui, me coordena, me guia, me auxilia. 

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Sim, Mana, ainda tenho muito para te tirar o juízo. Passou tudo tão rápido. Tu já tens filhos, já te aventuraste e me mostraste o mundo e seus mistérios, mas continuo nos teus calços, agarrada na barra da tua saia, como se tu ainda tivesses 25. Bom, 25 nem eu tenho mais. Passa!!! 

A mamãe e o papai, a tia Jô e a tia Vólia criaram a gente, duas bestas, duas mimadas, duas choronas. Mas dois mulherões que topam tudo, que enfrentam a vida, meio doidinhas (como o papai diz). Sempre tão unidas. 

Por vezes nos encontramos com problemas, sentamos na mesa redonda (já perdi as contas das muitas casas em que  já moraste), e assistimos aos nossos problemas em algum ponto se encontrarem, ou resolvemos primeiro o de uma, depois o da outra. 

E, hoje em dia, ainda chegou a Júlia de quebra, com os dela a tiracolo, para colaborar com a confusão de tantas artes que aprontamos. Eu me lembro de quando nós éramos pequenas, e tu me fazias chegar tarde à aula, só para me fazer comer um salgado, porque eu não almoçava.


Quando tu andavas a cavalo comigo, porque eu não alcançava a sela; quando tinhas que ir à minha escola brigar com alguém, porque eu era frágil e “bullyingnável” (inventei agora essa palavra); quando tu saías arrumada de casa para farrear; quando nós dormíamos juntas nas viagens, e tu cantavas para mim, e contavas histórias, e criavas um mundo lúdico inteiro só para mim. 

Vi-te casar, e a pior parte aconteceu. Saíste de casa. Parecia me faltar ar, então eu acordava chorando, e ia dormir chorando. Ainda hoje me pego desejando que isso tivesse demorado mais a acontecer. Como estou agora, de saudade, de estar agradecida, por ter sido abençoada por ser a tua irmãzinha caçula, que sempre te teve por traz para segurar a onda. 

E quanto de chicotada a vida te deu em!!?? Foi-se o tempo que esses eram nossos problemas – alcançar a sela, pentear o cabelo com condicionador, depois de viajar na traseira dos carros do papai, alugar vídeo e devolver rebobinado, ficarmos acordadas para assistirmos juntas aos filmes da época, à noite. 

A vida veio e bateu dicunforça, mas, como me faz bem viver esse delicioso mundo oscilante, sendo tua irmãzinha! Desculpa se ainda te enlouqueço com as minhas coisas, até dizeres: “Thieeeeena!!!. Vira o disco, mulher!”; ou “Mããããe!, só mande a Thiena para minha casa se ela estiver medicada” – para depois tu reclamares “Eeeei, tu tá me ouvindo? Tá prestando atenção no que eu tô dizendo?”. 

Enfim, te assisti em todas as tuas fases, como as da lua: donzela, mãe, e caminhando para anciã. Sim, por que não? Sempre cheia de palavras fortes, sempre cheia de frases de impacto, sempre de peito aberto e ombros largos. Vi-te ser essa coisa cheia de sabedoria, construída pouco a pouco, por cada situação de sufoco, de medo, de preocupação. 

E como eu queria que tu não te machucasse nunca mais! Queria e quero que nesse novo ano nada te cause medo, nada te sufoque, nada te angustie, nada te faça abaixar a cabeça. Desejo, finalmente, que tu continues a mesma, do jeitinho que nós fomos criadas. Frágeis, mas cheias de disposição, prontas para as batalhas, que venham uma, duas, dez, mil. Eu vou estar contigo, do teu lado, porque hoje somos duas mulheres feitas e tu me mostraste como ser as tuas costas quentes, os seus ombros largos, teu cão de guarda... duas lobas uivantes. 

Eu logo faço de qualquer ponta de osso minha um punhal; eu logo mostro a minha carne como armadura; eu logo uso meu sangue como veneno para o mal, ou como antídoto, caso tu  precises. Aqui a distância nunca irá alcançar, aqui a maldade não vinga, aqui a nossa história vira um astral, uma muralha, contra o que vier. 

Aqui só reina a nossa amizade, os nossos desejos, a nossa voz, o teu canto (e eu amo quando tu cantas). Aqui, planejamos as guerras com garrafas de café, invocando todas as nossas ancestrais tão fortes, espalhando as nossas palavras que sempre colocam tudo no lugar. 

O mundo é nosso campo de batalha, e nossas armas são divinas. Forjadas com o mais puro sentimento de amor que nos foi dado. Fomos feitas com tanto amor, e somos tão amadas, principalmente uma pela outra. 

Amo-te sem dimensão, te amo incondicionalmente, te amo até o fim do mundo. Queria te agarrar hoje, mas já-já tu estarás de saco cheio de mim de novo, de tanto que vou grudar em ti, como sempre faço. Quem quiser saber onde me encontrar, lá estamos nós, juntinhas, arquitetando o próximo passo. 

Que venham todos os milênios, ainda seremos irmãs, ainda estaremos de mãos dadas, ainda estaremos mostrando os dentes para qualquer situação conflitante. 

Que venha o resto da eternidade minha irmã, porque do teu lado eu não tenho medo, eu não me apavoro, e minhas lágrimas são só de amor, que arde e vibra. 

Que teu dia seja colorido como o mundo que fizeste existir na minha cabecinha de criança; que seja mágico como os filmes da Disney que nós decorávamos; que seja intenso como as nossas conversas; que seja divertido, como cada dia em que tu ias me dar banho para ir para a escola cantando “Terezinha de Jesus”. Eu te amo, estou mais do que aí, estou sempre dentro de ti. Amo-te, minha nega mulata.

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