A ERA DA INCERTEZA
Luciara de Aragão*
A autonomia arrogante da ciência e a exacerbação dos frutos do capitalismo globalizado são apenas alguns aspectos do mundo em que vivemos, onde tudo é ambição e poder, inexistindo deveres e limites. Os fracassos de reuniões diplomáticas em torno de temas ligados à sobrevivência do homem e do planeta, a falta de controle do meio ambiente e da manipulação genética em laboratórios espalhados pelo mundo e controlados pelas grandes potências são o enunciado sombrio dos primeiros vinte anos deste século.
Enquanto especialistas em ética na ciência discutem moral, prudência e verdade, impregnadas de ética de Kant e Platão nas exigências da busca da verdade absoluta, os pragmatistas consideram distante o alcance da verdade e dão a sua busca como infrutífera. E o que nos diz a comunidade científica? Em sua maioria está integrada por grupos, cada um deles em busca de cargos e prestígio, e os discordantes manifestam-se timidamente em vozes fracas e isoladas, e quase sempre estabelecem protestos típicos de quem, como eles, aplica a ética na ciência. Sem dúvida, os dissidentes sofrem discriminação e questionamentos, quando as fundamentações filosóficas são negadas por colegas engajados na perversidade de algumas das suas hipóteses.
A herança do Século XX com as duas grandes guerras mundiais e as revoluções espalhadas pelo mundo como a de 1917, na Rússia, modificaram a face da sociedade. O crescimento econômico e as transformações sociais não eliminaram problemas crônicos como a desigualdade e os extremos da miséria e luxo nas sociedades.” Facetas como o desemprego, Estados em crise permanente, rivalidades entre as potências e acentuado desgaste moral parecem encobertos por cintilante aparência. A aparente riqueza mundial, a propalada vitória do crescimento econômico e do progresso material pode ter deixado o homem mais rico, mas de modo efetivo não se obteve a distribuição da riqueza de uma forma mais justa”. (Aragão, Paulo- trecho de palestra sobre A importância da ética em nossos dias), Câmara dos Deputados, DF,2015).
O avanço da ciência e das técnicas, frutos da mente humana, perderam-se em sua estreiteza, ficando exclusivamente os benefícios de valor econômico e a apropriação privada dos avanços científicos. Nisto reside como resultado negativo desta unicidade de visão sobre o emprego da técnica, o aumento da exclusão social e de todos os outros males que se sonhara erradicar.
O aumento dessa fissura no processo social, a concentração da renda, a manipulação genética, os imensos danos ao nosso planeta, a eliminação da espécie humana pela guerra, esgotou um padrão cultural, tal como as controvérsias da arte, a secularização da moral e o condicionamento da ciência ao processo produtivo. Pior, as vanguardas do desrespeitoso modernismo não chocam mais e se viabilizam como regra comum. Esta reviravolta de costumes, em sua visão mais distorcida, leva a tentativa de imobilização do ideário da fé, da esperança e da razão.
O capitalismo global busca o controle do homem, seus triunfos na ciência utilizando-a como tecnologia em seu próprio benefício. A tecnologia da informação toda voltada para o valor econômico é um dos elementos mais visíveis desse controle. Uma política pautada por organismos internacionais como a ONU mostra em suas agendas a programação da unicidade de seu controle em vários campos como o da saúde, onde o aborto é umas das bandeiras.
Já não se escondem mais as garras hegemônicas e direcionadas a alvos específicos pisoteados os valores éticos e as normas morais. A utopia feminista “de autodeterminação está se transformando em uma cessão total do controle sobre as capacidades reprodutivas, à tecnociência e a medicina A velocidade com que estamos chegando a formas mórbidas de manipulação genética corre o risco de transformar completamente o sentido sobre a “liberdade de escolha: “não se estaria já diante de uma aceitação da responsabilidade para com a maternidade, mas ante uma opção sobre as características do filho” (p.113 in Roccella e Scarafffia, Contra o Cristianismo – A ONU e a União Europeia como Nova Ideologia, Madri Ed, Cristandad, 2008).
Atrela-se a sociedade a uma ciência de ética questionável e a uma economia regida por imperativos impróprios e suspeitosos. Como quer Jean-François Lyotard, gera-se uma sociedade baseada na práxis da “partícula da linguagem” (A Condição Pós Moderna RJ Ed. José Olímpio, 1998 pp 160-64), onde as telecomunicações espaciais de importância estratégica de reprodução global, o controle do poder militar, e a informação, como um componente infiltrado e controlado pelos grupos econômicos, garantem a unicidade do discurso. A avalanche de informação na Internet, além do lucro gerado pelas redes e de sua definição formal, concreta e liga os fios de uma dominação globalizada, seja pelas relações politicas e institucionais, seja pelos que governam e influenciam países e continentes.
A difusão de suas imposições, quando o poder se desloca para os alimentadores, gera um processo de fluxo que define as estruturas de influência e dominação dos indivíduos. Pretende-se, naturalmente, a unificação dos princípios e aspectos centrais que norteiam a sociedade. É precisamente esta sociedade em rede, a que vem sendo centrada na dinâmica dos Estados Unidos que controlam e desenvolvem as redes globais com a Microsoft e a IBM, irradiando um padrão de cultura dominante em torno de uma concepção de Nova Ordem Mundial, lesiva aos princípios de liberdade humana.
Trata-se do realismo de um capitalismo global que deveria obrigar, a cada um de nós a revisão do mito do progresso. Temos todos uma consciência dessa ruptura, onde a sociedade e a economia são regidas por uma computadorizada tecnociência que invade e pretende anular o nosso espaço pessoal. O capitalismo global “apossou-se por completo dos destinos da tecnologia, libertando-a de amarras metafisicas e orientando-a, única e exclusivamente, para a criação de valor econômico. As legislações de marcas e patentes transformaram-se em instrumentos eficazes de apropriação privada das conquistas da ciência, reforçando os traços concentradores e hegemônicos do atual desenvolvimento” (pp. 14-15 in Dupas, Gilberto, Ética e Poder na Sociedade da Informação. SP. Unesp 2001).
Observamos desde meados do século passado, a desilusão de verificar, como quer o historiador marxista Eric Hobsbawn, (1917-2012), (Cf. A Era do Capital; A Era dos Extremos) que os inúmeros progressos da ciência, enormes triunfos de um progresso material apoiado nas novas tecnologias, acabaram questionados por substancial fatia da opinião pública e de pensadores sérios do Ocidente, como o economista e internacionalista brasileiro, Gilberto Dupas (1943-2009).
Nesta era de incerteza, no século que começa,
podemos bem seguir o conselho do historiador francês Fernand Braudel, (1902-1985)
da Éscole des Annales, deixando de lado a transparente economia de mercado e acompanhando
o dono do capital até o andar de cima, sem podermos ser testemunhas do seu
encontro com o dono do poder político. O segredo dos persistentes lucros que permitirão
a expansão e força do capitalismo, prosperando e expandindo-se continuamente,
ao largo de quinhentos anos, não pode estar ausente desta conversa no andar de
cima.
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