sexta-feira, 23 de julho de 2021

CARTA AO SENADO - Faça-se a Água - Risco de Tragédia no Jaguaribe (CB)

 Faça-se a Água


Risco de Tragédia
no Jaguaribe





Exmos. Senhores Senadores  

Confesso, enquanto especialista na área de recursos hídricos, tendo editado cinco livros sobre este tema em nossa região e publicado cerca de 300 artigos nesta especialidade, em jornais, revistas técnicas, tendo frequentado três das maiores faculdades de engenharia do nosso país, a Escola Politécnica da Universidade Católica de Pernambuco, a Escola Nacional de Engenharia e a Pontifícia Universidade Católica (Puc), estas duas últimas, do Rio de Janeiro, que estou profundamente decepcionado com os rumos que estão dando a este assunto em nossa região.

Inicialmente, era somente o estado do Ceará, através do seu Secretário de Recursos Hídricos, que pretendia se apossar dos 66 açudes federais construídos pelo Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) localizados nesta unidade da federação, tendo como objetivo vender a água neles acumuladas através da Cogerh (Companhia de Gestão de Recurso Hídricos do Estado do Ceará) que, segundo constava estava apurando (?) a fabulosa quantia de R$ 480 milhões para cobrir, anualmente, os deficitários cofres estaduais. O próprio Diretor-Geral do Dnocs confirmava esta informação.  

No ano de 2009, que não foi um ano excepcional de chuvas, a exemplo dos anos de 1924, 1974 e 1985, o Açude Castanhão tomou extraordinário volume d’água e quando o nível desta atingiu a cota de alerta, a cota 106 m, todas as 12 comportas já deveriam estar abertas, mas, imprevidente e infelizmente, não estavam. Toda a população do Baixo Jaguaribe (cerca de 300.000 pessoas) ficou ameaçada de uma tragédia.

Os gestores desta obra, na mente de poderem dispor de mais água, deixaram o nível desta atingir a cota máxima, isto é, a cota 106 m, na qual o açude acumulava, naquela situação, 6,7 bilhões de m³, incluindo incorreta e indevidamente neste volume, o que seria disponível (portanto, tecnicamente não utilizável) para o controle de enchentes, ou sejam, 2,3 bilhões de m³. Graças a esta incorreta e inconsequente decisão, correu-se o risco de o nível das águas superarem o cume dos diques (de terra) e, por muito pouco romperem causando uma tragédia no Baixo Jaguaribe, como acima foi dito.

Senhores Senadores, desculpem-me, mas estou cumprindo um dever de cidadania ao lembrar-lhes a possibilidade de repetição daquele perigoso episódio de 2009, com o qual inicio a redação do livro que escrevi, de 362 páginas, intitulado: “A FACE OCULTA DA BARRAGEM DO CASTANHÃO – Em Defesa da Engenharia Nacional”. Tenho acompanhado algumas incursões de Vossas Excelências no campo da Ciência Hidrológica com os quais estou em absoluto desacordo. A grande maioria dos Senhores, por exemplo, certamente nunca viu a capa de um livro de Hidrologia. Não é verdade? Estão mal assessorados. 

Já bastam os cerca de dez ou doze erros grosseiros (e bota “grosseiros” nisto!) que foram cometidos no projeto do Açude Castanhão, objeto do livro, acima referido que escrevi. Para mim, já basta de tanta INCOMPETÊNCIA (com letras maiúsculas) dos responsáveis por esta questão dos recursos hídricos no estado do Ceará. 

Para a absurda decisão de transferir as ações técnicas e científicas na área de recursos hídricos do Dnocs para a Codevasf, eu diria que aquele Departamento Federal atua na região semiárida do Nordeste brasileiro em rios temporários, isto é, em rios intermitentes, enquanto a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) atua em rios perenes, no caso os rios São Francisco e Parnaíba. Portanto, o Dnocs tem expertise de 112 anos numa região problemática do nosso país, densamente povoada, que requer água acumulada em açudes em rios intermitentes e gerenciamento eficaz dos seus recursos hídricos. 

A Codevasf não precisa “fazer água” porque onde ela atua já tem água em abundância. Os rios são perenes. O Dnocs, ao contrário, tem que “fabricar água” e, como disse, em homenagem que recebi na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, em comemoração dos 110 anos do Dnocs, que ele é de fato, “o maior fabricante de água em regiões semiáridas do mundo”.  

Infelizmente, no nosso país, os interesses políticos se apresentam mais importantes dos que os técnicos como fatores decisórios de um empreendimento, quando estes deveriam ser amparados cientificamente pelas normas técnicas, legais e jurídicas. De onde se conclui que na atual conjuntura nos meios nordestinos, o Poder Político está acima da Técnica e da Justiça, para a minha tristeza e para a decepção de toda a comunidade técnica/científica de nossa região.   

Atenciosamente,                                                

Engº Cássio Borges 


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