quarta-feira, 28 de julho de 2021

ARTIGO - Quem Tem Medo de Virgínia Woolf (RMR)

 QUEM TEM MEDO DE 
VIRGÍNIA WOOLF
Rui Martinho Rodrigues*

 

 

Edward Albee (1928 – 2016) é lembrado, entre outras coisas, por ter contribuído para o que Riccotto Canudo (1877 – 1923) considerava a sétima arte, com “Quem tem medo de Virginia Woolf”. Os diálogos deste filme desnudam o lado humano deplorável, camuflado pelas aparências. Pode-se dizer o mesmo da política dos nossos dias. É a substituição da hipocrisia, tributo que o vício paga à virtude, pelo escárnio ou desprezo pela certidão, segundo palavras da ministra Carmen Lúcia, que hoje parecem esquecidas. 

O debate sobre a apuração de votos em eleições revela aspectos deploráveis. Primeiro por não explicitar que se trata de um procedimento administrativo. Político é o ato do eleitor, que manifesta sua vontade ao votar, merecendo a proteção do segredo. A apuração, como ato administrativo que é, deve seguir o princípio da publicidade dos atos de administração. 

Alega-se, como obstáculo, a despesa necessária para acoplar impressora na urna eletrônica, enquanto se institui um fundo eleitoral de quase seis bilhões de reais. Suspeita-se de um propósito golpista, recusando-se a adotar o procedimento que retiraria o pretexto dos golpistas. 

Invoca-se a inexistência de precedente de fraude, como se a impossibilidade de verificar tal ocorrência fosse prova de sua inexistência. Ocorrem, entre outras coisas, apagões durante a apuração, cujos efeitos sobre a totalização dos votos desperta suspeitas. Nenhum dos lados do debate notou: depois da adoção do voto eletrônico surgiram maiorias inusitadas. Prefeitos e governadores obtiveram até 80% dos votos válidos. 

É inescusável esquecer que Charles A. J. M. de Gaulle (1890 – 1970), no

auge da popularidade, como herói de guerra, obteve pouco mais de 60%; Juan D. Peron (1895 – 1974), voltando do exílio, desfrutando de popularidade inigualável, também teve pouco mais de 60%. Jânio da S. Quadros (1917 – 1992), o furacão eleitoral, não obteve nem 50% dos votos. Getúlio D. Vargas (1882 – 1954) e Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902 – 1976) tiveram pouco mais de 40%. Vitórias com mais de 70% dos votos são comuns sob ditaduras e agora na democracia à brasileira. 

Alguns magistrados dizem que o sistema eleitoral em vigor é invulnerável. Alvíssaras! Conseguimos um feito que o pentágono e a indústria bélica dos EUA não foram capazes de produzir. Mas há divergências. Ministros do STF interromperam constantemente a exposição de um perito que foi falar naquela corte sobre a insegurança da parte eletrônica do sistema eleitoral atual. Tanto empenho dos ministros em dificultar a exposição do perito sugere a pergunta: quem tem medo de Virginia Woolf ou do lobo mau? 

A apuração é feita por um pequeno número de pessoas no TSE. Não cabe invocar o argumento da confiança nos togados. Democracia é o regime da desconfiança. Por isso os poderes são limitados pela competência constitucionalmente definida; mandatos eletivos têm prazo de validade; poderes fiscalizam e limitam uns aos outros. Quem tem medo da publicidade dos atos administrativos? 

A confiança nos togados fica abalada quando ministros de tribunais superiores fazem campanha política. A decisão sobre sistemas eleitorais é decisão política, é competência política. O Ministro Luís Roberto Barroso disse que é preciso fazer alguma coisa para evitar que se repita no Brasil a vitória dos conservadores, como aconteceu na Polônia. Depois retratou-se. A retratação, todavia, não desmente o pensamento, mas apenas revela a inconveniência da sua revelação. A matéria poderá ser judicializada e o ministro militante poderá julgá-la.


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