sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

ARTIGO - Talento do "Bumbum" (PN)

 TALENTO DO “BUMBUM”
Pierre Nadie*

 

Ao tentar analisar o contexto de nossa cultura hodierna, parece-me que perdemos nossa identidade cultural de povo brasileiro. Os fatos,  que movem essa nova geração, são de uma pobreza a toda prova. 

Não se lê mais. A bíblia do português – Os Lusíadas – jaz em memória desmemoriada. Machado de Assis, Rui Barbosa, Gonçalves Dias, José de Alencar, Monteiro Lobato, Carlos Drummond, Josué Montello, Rachel de Queiroz e tantos outros foram lançados nos Gulags ou atirados à fogueira. 

A carência de leitura empreguiça o pensamento, atrofia o poder criativo, anula a criticidade e lança-nos naquilo que o instinto luxurioso e usurário instiga. Acorrenta-nos ao palatável e embriaga-nos de manipulações, que nos alienam. 

Nem mesmo a espiritualidade e as crenças escapam, pois, os parâmetros parece ajustarem-se ao “c’est moi” (sou eu): há adaptações bíblicas para todos os gostos, como se a Palavra de Deus tivesse envelhecida e à criatura humana coubesse a obrigação de adaptá-la às necessidades e mudanças da hipermodernidade. 

A Internet domina o pensamento e impõe ideias: é o cruel torturador “magister dixit”, o ínclito poder “Roma locuta”.  Um achismo, sem fundamentos e sem consistência. 

Há uma massa que cresce com o fermento da ignorância, com ares de “sapiência”: o pior ignorante é o que se considera sábio. 

Do berço esplêndido erguem-se zumbis ou talvez sonâmbulos. 

Informações substituem o fático por narrativas, perdem a imparcialidade e encavernam-se em trincheiras, dramaticamente, opiniáticas e, insidiosamente, partidárias. Instala-se intolerância como prerrogativa de direitos, criam-se ilhas de “inclusão”, as quais, com a justificativa de defender grupos, atacam, caluniam e perseguem quem não partilha de suas convicções. 

O repertório musical, que admira e empolga multidões,  é apelativo, quando não vulgar e, abertamente, pornográfico. 

Onde andam os Chico Buarque, Gilberto Gil, Tim Maia, Roberto Carlos, Elis Regina, Djavan, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira? Onde andam os nomes da música clássica, que tem embalado emoções, mentes e corações? 

Não, não dá para comparar nem competir com Anitta, Negro do Borel, Ludmila. 

Como diz José Maria Vasconcelos, em seu livro Um Olhar Diverso do Mundo e da Cidade, à página 82, “desses atuais o talento emana do ‘bumbum’, extenuante exposição erótica nos shows e programas de tevê”. E, citando Marco Antônio Villa, ele conclui: “a república dos rastaqueras, onde a ignorância e a fragmentação tomaram conta do cenário cultural”. 

Há, sim, bons talentos, boas literaturas, nessa geração. 

Não, não se constitui um libelo, mas uma exposição das entranhas, uma visão entre tantas outras e que deve fazer parte de uma concertação, que não seja anódina. 

“Ao mestre com carinho” e não “Senhor das Moscas”.



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