segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

ARTIGO - Relacionamento Humano - Parte I (PN)

 Relacionamento
Humano
Pierre Nadie* 

Parte I


“Dê-me um ponto de apoio e deslocarei o mundo”. Tal assertiva de Arquimedes volta-se também para o que procede de cada um de nós. Apoio é base, é matriz, é sustentáculo. 

Nossos relacionamentos, sejam de amizade, de parceria ou de intimidade e aliança carecem de um “eu” real e sincero para outro “eu” real e sincero... E a verdadeira semente medrará, por certo. 

Assim, vamos refletir um pouco. 

Quando te encontro, escondes o que és para mim. Queres permanecer uma lenda, com medo de me perderes. E eu, também me ocultando de ti, sem saber que “sou o que não sou”, quero ver em ti o que me apetece, imagem pré-fabricada, o meu “narciso” ponho em ti. 

Quando, porém, me aproximo de ti, estabeleço um relacionamento, passo a conhecer o outro de ti, que és tu. E, como eu não me conheço, mostro-te o outro de mim, que sou eu. Nos dias que seguem, o outro que te conheci me decepciona, ao te apresentares como és, contrariando minhas expectativas. 

Fecho-me, então, sem te ouvir, sem querer saber quem tu és. E tu descortinas em mim o eu que te ocultei. Minha imagem já não corresponde à impressão, que havia produzido, para te provocar o afeto de miragem e fantasia. 

Os “eu te amo”, “eu te quero”, “eu te admiro”, “eu gosto de você” ou limitam-se a cartõezinhos frios, a olhares inexpressivos, a frases de efeito em sua dubiedade ou saltam para fora do relacionamento, ficando cada um à espreita de posturas indesejadas, reais, mas sem a possibilidade de, pelo menos, um armistício para diálogo de rearranjo de ambas as partes, para construir um relacionamento, uma amizade, que possa se fortalecer, na contingência e amadurecer, nas limitações que em cada pessoa assentam. 

Diante dessas dissonâncias, o desastre pode tardar, mas está se preparando e, com certeza, o estouro do tsunami acontecerá, inexorável. 

Tu vives sem dialogar e sem querer ver minha face real. E eu passo o tempo alimentando minha decepção da expectativa que fiz de ti... críticas, injúrias, descontentamentos avolumam-se. 

Quanto mais o tempo passa, mais fundo fica o fosso entre ti e mim, entre mim e ti. Eu sem te conhecer. Tu sem me conheceres. Nós sem nos conhecermos. Ofensas mútuas, atitudes de afastamento, posturas de menos valia. Cada um sem se autoconhecer, sem se ouvir, impingindo culpa ao outro. 

Não acontece o amor pelo cultivo elogioso de nossas qualidades, nem o ajuste pelo ódio às falhas que de fato temos. Só a compreensão do outro, a partir de si – um mergulho em si, uma atenciosa escuta e respeitosa do outro – pode gerar o amor. O outro não é minha foto, nem eu sou a identidade do outro. Tamanho fosso construído, na intolerância ovidiana, o retorno passa a milhas da resiliência. 

Não posso querer me amar no outro, tampouco o outro amar-me em mim. Ninguém é reflexo de ninguém. 

O desafio de amar despenca, enfim, desfiladeiro abaixo, sem vontade de parar, com amarguras a disparar.


“Ontem, eu te amei e tu me amaste. Nos amávamos. Hoje, eu te rejeito e tu me rejeitas. Nos rejeitamos. Eu te perdi e tu me perdeste. Nos perdemos. E pagamos alto preço por isso. Choramos lamentos. Lamentamos chorosos”. 

Eis o que, ignorantes, fizemos conosco, sem perceber que, de amor e de amizade, é cada pessoa que dá o ritmo e define o compasso.


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