domingo, 13 de dezembro de 2020

ARTIGO - "A gente Não Quer Só Comida" (AS)

 A GENTE NÃO QUER SÓ COMIDA
Arnaldo Santos*
 

Convido o leitor a refletir sem paixão, e fora do sentimento dominante entre o mau e o pior, a propósito de um tema historicamente negligenciado no curso da história, pelos sucessivos governos no Brasil. 

Nessa perspectiva, a reflexão que aqui proponho se refere à política cultural brasileira, que, na contemporaneidade, até o papel histórico que tiveram os negros na formação da nossa sociedade, assim como a própria condição de escravos, são negados. Isso requisita de todos um pequeno esforço para se despir das motivações ideológicas, e interesses particulares, a fim de que prepondere um mínimo de  racionalidade. 

Desde já, então, sugiro esquecer os partidos e suas pseudo ideologias, pois, na cultura político-partidária vigente, já não valem muito, tampouco é necessário dizer por quê. 

Olvide-se, pois, a maior bobagem do Século XXI – rotular a si como postado na direita ou na esquerda – pois já estamos na fase da nanomolecular/biology, estudando a integração de sistemas moleculares e as nanopartículas, sendo possível diagnosticar e prevenir doenças que os humanos terão até o ocaso vital. Assim, é dado se compreender, minimamente, a realidade sensível e caótica ora vivida, de negação da ciência, pois a “Terra já não é redonda”, como se acreditava, pelo menos na visão dos “terraplanistas”. 

De modo geral, na virada do Século XXI, a sociedade brasileira fez uma inflexão nos costumes, pois criou distintos paradigmas socioculturais, estabeleceu outros padrões de comportamento para preservar o meio ambiente, incorporando como valor o consumo consciente, a geração de energia limpa, e estabeleceu relações saudáveis com as diferenças. Esses avanços socioculturais imprimiram contornos de alto grau de civilidade, e até sofisticação, ao pensar médio da sociedade pátria. Entrementes, na política...! 

É um paradoxo não se observar esse grau evolutivo e sofisticação no pensar político. Pelo contrário. Com as vênias dos personagem nos quais assentar a carapuça, em termos políticos, somos uma sociedade de práticas macunaímicas. Lá do jirau, os do andar de cima “vertem água” e evacuam na cabeça da maioria que habita o pavimento inferior. 

Com efeito, pela política de cultura vigente, tanto nas práticas de boa parte dos políticos em geral, como nas ideias geradas pelo atual governo, especialmente pelo Presidente da República, resta evidenciado o fato de ser factível inferir que chegamos ao volume morto do pensar e do agir coletivo de uma parcela significativa da população. Qual a razão para tanta irracionalidade? Os símbolos da Antropologia nos dizem muito. 

É de conhecimento geral o fato de o conceito de cultura conforma, haja vista sua abrangência, aquele que melhor exprime e consubstancia a diversidade de gênero, bem como o pluralismo das ideias, como essência de uma sociedade democrática. Esses valores, na realidade em curso no Brasil, estão sendo cada vez mais desconstituídos. 

É mediado pela cultura que o ser humano, o sapienti modern, fertiliza o ambiente das suas relações sociais, desde a mais tenra idade, com esteio nos costumes aprendidos e na internalização dos padrões civilizatórios, que dele vão fazer uma pessoa detentora dos valores, para balizamento de sua vida como membro do seu grupo de pertença. 

É por via desse procedimento de elaboração e interação social que a pessoa se torna membro de uma sociedade, sob referência do comportamento e da axiologia – determinante dos valores – estes que lhe foram legados pelo grupo e o forjaram como um ser social para, igualmente, se tornar referência para outros conjuntos societários, e assim germinar mais cultura e conhecimento nas diversificadas searas das relações humanas. Esse fenômeno enseja um círculo virtuoso de renovada produção de manifestações culturais, para os outros grupos e povos. 

Nesses tempos obscuros vivenciados no Brasil, onde o que predomina é a negação da ciência, a internalização e a produção cultural sobram significativamente prejudicadas, embora seus efeitos, somente a posteriori, hão de ser percebidos em sua real dimensão. Essa realidade, em maior ou menor grau, nos situa a todos na qualidade de gente em sociedade, no centro de um desafio, configurado na produção e difusão cultural, em suas variadas modalidades de manifestação. 

Em um país de desenvolvimento tardio como o Brasil, onde a pobreza do saber é tão grande ou maior do que a carência monetária e a desigualdade social, a cultura – que deveria assumir papel preponderante na busca pelo desenvolvimento econômico e social, bem como na geração e difusão de conhecimento, à extensão da história – se reserva ao lugar de uma percepção atávica por parte dos gestores nas três esferas de governo. Prefeitos, Governadores e o Presidente da República tratam a cultura como um subproduto de suas administrações. Vejam os orçamentos para o setor que, ano após ano, são reduzidos! Até quando? – Pergunta este “Cícero” caboclo, principalmente, a um certo Catilina, bem mais obtuso do que o antecessor. 

Em geral os políticos, mormente em períodos de campanhas eleitorais, como vimos agora, asseguram que em seus governos vão priorizar a cultura, assim como a educação, pois só pela via do desenvolvimento cultural é que os cidadãos e as sociedades se desenvolvem, intelectual, social e economicamente – dizem eles. O que notamos, entretanto, ao largo da História é a negação desse discurso, com a subtração dos recursos que deveriam ser alocados para o setor. 

Nas últimas décadas o Brasil experimentou significativas transformações em sua infraestrutura física, nas comunicações digitais, dentre outras, entretanto pouco mudou em relação à infraestrutura humana, pois o homem, sob o ponto de vista educacional e cultural, continua excluído do bem mais valioso, que é o saber. 

Se, de algum jeito, a fome foi saciada, a sede por cultura continua desidratando os sonhos, ressequindo cada vez mais a garganta cultural das pessoas, notadamente das gerações mais jovens, na medida em que educação e cultura, apesar de serem bens essenciais à vida, não parecem sensibilizar a elite pátria que é dirigente, cada vez mais insensível, tendente ao embrutecimento. 

As escolhas feitas até aqui pelos sucessivos governos nas três esferas, excluindo da maioria da população os bens culturais em todas as suas manifestações, pela falta de investimentos nesse importante setor, têm nos legado uma herança maldita expressa no atraso cultural. 

Como nos ensina a letra da música “COMIDA”, dos Titãs – Você tem fome de quê? Você tem sede de quê? A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte, a gente quer a vida com diversão e arte, para aliviar a dor!


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