O programa Visão Política, do confrade Arnaldo Santos, que vai ao ar pela FGF TV, Canal Universitário 14 da Net, na edição da semana passada, entre outros temas candentes, repercutiu a notícia nacional sobre a censura presentemente imposta pela Justiça ao Dicionário Houaiss, quanto à acepção atribuída por ele a certo verbete designativo de uma raça.
Entendeu o Ministério Público Federal que o léxico incorre em preconceito contra a etnia nômade, ao registrar o termo “cigano” como sinônimo de usurário, trapaceiro, burlador, embora ressalvando que esses significados não são literais, já que têm conotação pejorativa.
A questão é muito sensível, pois a medida de recolher livros e proibir a sua venda cheira a censura, embora envolta no enjoativo incenso modernoso do corretismo social. Um dicionário tem que registrar os usos que as palavras têm de fato, sem obrigação de analisar se tais usos são corretos ou injustos. Aliás, todos os bons dicionários de português dão ao substantivo “cigano” o conceito paralelo de negociante espertalhão, porque assim entende o mundo.
Ciganos têm orgulho de ser ciganos, e têm amor à sua tradição cultural, na qual se inserem a quiromancia, a vida itinerante, a vocação para os negócios. Como se sabe, a esperteza é inerente ao comerciante hábil, que atribui maior qualidade àquilo que vende, enquanto deprecia aquilo que compra, para conseguir preços melhores – mesma característica que os judeus também ostentam.
No mais, deve-se ao nomadismo a ideia de que os ciganos sejam corsos, assim como os circenses, tradicionalmente acusados de raptar crianças e aliciar jovens das comunidades visitadas. Esse é um fenômeno sociológico histórico que um decreto judicial jamais poderá modificar.
De todo modo, talvez se pudesse recomendar enriquecer o verbete com uma melhor ressalva sobre as razões da antiga discriminação verbal, para não a propagar para as futuras gerações – mas jamais o exagero de negar a história, proibir edições e fazer “faxinas” lexicográficas.
Mais grave ainda foi a tentativa recente de censurar obra de Monteiro Lobato, por parte do Governo Federal, em virtude dos impropérios racistas contra a personagem Tia Nastácia, lançados pela boneca Emília, um tipo doidivanas de ante-heroína que nunca diz coisa com coisa.
Nesse caso, a grande insensatez da censura a Lobato reside no fato de que a intenção dele era exatamente criticar o racismo, num tempo em que os negros eram muito mal avaliados. Ele não podia fazer isso colocando uma negra culta e rica no Brasil rural de então, porque soaria falso, mas dotando a cozinheira negra do sítio de grande dignidade humana, sabedoria inata, inteligência emocional. E ele fez isso. A idiota boneca de pano, que a própria Nastácia confeccionou, é o seu antípoda moral.
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