Chuva para o nordestino é dádiva que cai do céu. Hoje, nem tanto... As primeiras chuvas que caíram em Fortaleza me trouxeram lembranças da festa que era o inverno na minha infância.
Lembrei o capinzal que separava a velha Gentilândia do longínquo Jardim América, com seus currais de bois ao redor, cheio de burras e jumentas soltas, para mil e uma serventias.
Lembrei a lagoa na qual fazíamos desfilar barquinhos por nós fabricados com as raízes de madeira leve, tão comuns na redondeza.
Lembrei o campinho onde batíamos as peladas diárias, para no final da tarde, lama até o pescoço, levarmos as merecidas palmadas maternas.
Inverno era tempo de fartura. Do milho verde vendido de porta em porta e do feijão novinho debulhado em casa. Saudade da brincadeira do triângulo, com seu furo certeiro na areia molhada, e da temporada de bila.
No jogo de bila eu era mestre: destreza e pontaria para acertar o buraco; esperteza para comandar rápido as vantagens de ser o “último a beber”, de pedir “palmo troço, peço tudo e não dou nada”.
Tanto nas disputas do triângulo como no jogo de bila, as apostas eram pagas com a moeda em voga: carteiras de cigarro, dobradas que nem dinheiro. As da fábrica Araken valiam mais por serem mais raras. As de cigarro americano, então, valiam como se dólar verdadeiramente fossem.
Invariavelmente, todas essas pelejas terminavam em burburinho ou confusão. No entanto, nada tão violento que prejudicasse o companheirismo e a amizade reinantes entre a meninada. É daquele tempo a ideia atribuída ao memorável Virgílio Távora de que o inverno era o melhor governador do Ceará. Hoje, a história é outra. A festa virou tragédia...
Os buracos se fizeram crateras que se multiplicaram, enquanto governantes de esferas diversas discutem a responsabilidade para detê-los. O lixo acumulado devido à ação não cidadã de todos nós, concorreu para que o caos se instalasse.
Dorian Sampaio - Cadeira nº 23 da ACLJ
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