quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

OS LIVROS E A NOITE


“Em sua magnífica ironia, Deus me deu os livros, e a noite”, disse o escritor argentino Jorge Luiz Borges, bibliófilo convicto, referindo-se à sua imensa biblioteca e à cegueira que na maturidade o alcançou.

Neste início de ano, uma inversa ironia da vida envolve os intelectuais que fundamos uma nova entidade literária. Parece que para nós Deus oferece a luz da eletrônica – o chip de silício, a Web, a tela portátil – magníficos avanços tecnológicos que, ao que tudo indica, tendem a tirar de circulação os livros físicos que os intelectuais tanto adoramos.

A propósito disso, dias atrás um confrade espantou-se comigo quando eu criticava a política cultural levada a cabo no Ceará pelo Secretário da Cultura anterior, Auto Filho, que resolveu investir na instalação de bibliotecas pelas cidades do sertão. Para mim o Sr. Secretário atuou na contramão do tempo, pois, segundo me parece – sem querer proscrever a obra gráfica – os livros estão em vias de perder definitivamente o status de objeto popular.  

Até o advento da cibernética, um pouco antes das preocupações ambientais com a economia de papel, a grande luta no Brasil era realmente pela popularização do livro, o barateamento e a facilitação do acesso dos jovens às obras literárias impressas, e foi nesse embalo que se deixou levar o secretário Auto Filho, mas o grande apelo hoje em dia já é pelo acesso à Internet.

Não estou afirmando que o livro palpável desaparecerá, porém que ele deixará de ser um artigo popular – no resto do mundo, já que entre nós jamais chegou a tanto. 

Note-se que a fotografia não derrogou a pintura, como se chegou a pensar que ocorreria, mas a tornou objeto de luxo. Do mesmo modo, a televisão não acabou com o cinema, ao contrário do que se temia, nem o vídeo cassete o fez, e o DVD não o fará, entretanto a chamada “telona” cada vez mais se destina a um público menor, de extrato refinado. A produção cinematográfica até foi estimulada por esses recursos modernos... mas as salas de projeção se reduziram, muito mais raras e mais caras do que foram no passado.

Para dar um último exemplo, agora na área industrial, couros e peles, antes tão comumente utilizados em objetos pessoais – notadamente malas, sapatos, cintos e bolsas – perderam espaço para os tecidos sintéticos e materiais plásticos, mas não caíram em desuso, pois se converteram em insumos de grande nobreza e de custo exacerbado – quando não passam de sola tosca para uso artesanal.

Em suma, embora o livro de papel deva sobreviver como objeto de culto e de deleite, em breve não será mais o grande instrumento cultural para a educação de massa, a qual estará a cargo dos meios eletrônicos, de modo que investir em bibliotecas públicas agora não foi de fato uma medida inteligente.

Se o correio eletrônico e as redes sociais da Internet têm estimulado a comunicação escrita, os tablets digitais na verdade vão expandir exponencialmente o mercado editorial, disponibilizando toda a bibliografia clássica universal ao grande público, bem como abrindo portas para a vocação literária e estimulando a produção de obras novas – porém, livros em papel e tinta serão relíquias caras, alfarrábios preciosos, objetos de luxo especial.


Postado por Reginaldo Vasconcelos  

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