A Bunda VerdeSávio Queiroz*
A Praia do Futuro tem dessas coisas poéticas que a
cidade insiste em fingir que não vê: sol, caranguejo e uma sucessão de milagres
anatômicos caminhando pela areia como se fosse normal.
Eu estava na barraca Dallas, templo sagrado do crustáceo maior, lugar que frequento há mais de 25 anos. Tempo suficiente para ver os filhos dos amigos crescerem, casais se formarem e terminarem, garçons mudarem ou morrerem – mas a cerveja continuar gelada.
Foi então que surgiu ela. A morena. A de sempre, mas
cada vez menos sempre – porque o tempo, esse editor cruel, gosta de cortar
excessos e curvas com a sutileza de uma tesoura escolar. Ainda assim, ela
mantinha aquele patrimônio traseiro tombado pelo Iphan da imaginação masculina.
Dessa vez, ela trazia um golden retriever. Um
cachorro feliz, dourado e educado – o tipo que parece ter feito intercâmbio no
Canadá.
A dupla passou pela nossa mesa. O cão abanou o rabo,
ela abanou… bem, ela abanou também. Cada um com seu talento. E eu, que sempre
gostei de cachorros, fiz o único comentário possível naquela situação:
– Lindo cachorro!
Porque a civilização nos obriga a fingir foco.
Mal a visão saiu do campo de visão – ou o campo saiu
da visão, ainda estou decidindo – minha amiga Olga, aquela que Deus colocou no
mundo só para nos lembrar de nossas pequenas misérias, disparou:
– Me diga: de que cor era a coleira do
cachorro?
Silêncio dramático. Um vento passou. Um amigo
pigarreou. E eu descobri que, sim, o cérebro masculino tem espaço limitado para
prioridades simultâneas.
Rimos. Da situação, de mim, do destino e,
principalmente, da ciência que deveria estudar essas coisas com seriedade.
Mais tarde, a caminho do banheiro, passei novamente
pelo fenômeno. A morena, o cão e a tal coleira. Verde. Um verde quase
institucional. Verde que gritava: “obsessões têm consequências!”.
E foi assim que confirmei a máxima filosófica da
Praia do Futuro: “Nem sempre é a bunda que é verde”. Mas, às vezes, é.

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