domingo, 2 de novembro de 2025

CRÔNICA - A Bunda Verde (SQ)

A Bunda Verde
Sávio Queiroz*

A Praia do Futuro tem dessas coisas poéticas que a cidade insiste em fingir que não vê: sol, caranguejo e uma sucessão de milagres anatômicos caminhando pela areia como se fosse normal. 

Eu estava na barraca Dallas, templo sagrado do crustáceo maior, lugar que frequento há mais de 25 anos. Tempo suficiente para ver os filhos dos amigos crescerem, casais se formarem e terminarem, garçons mudarem ou morrerem – mas a cerveja continuar gelada. 

Foi então que surgiu ela. A morena. A de sempre, mas cada vez menos sempre – porque o tempo, esse editor cruel, gosta de cortar excessos e curvas com a sutileza de uma tesoura escolar. Ainda assim, ela mantinha aquele patrimônio traseiro tombado pelo Iphan da imaginação masculina.

Dessa vez, ela trazia um golden retriever. Um cachorro feliz, dourado e educado – o tipo que parece ter feito intercâmbio no Canadá.

A dupla passou pela nossa mesa. O cão abanou o rabo, ela abanou… bem, ela abanou também. Cada um com seu talento. E eu, que sempre gostei de cachorros, fiz o único comentário possível naquela situação:

– Lindo cachorro! 

Porque a civilização nos obriga a fingir foco. 

Mal a visão saiu do campo de visão – ou o campo saiu da visão, ainda estou decidindo – minha amiga Olga, aquela que Deus colocou no mundo só para nos lembrar de nossas pequenas misérias, disparou:

– Me diga: de que cor era a coleira do cachorro? 

Silêncio dramático. Um vento passou. Um amigo pigarreou. E eu descobri que, sim, o cérebro masculino tem espaço limitado para prioridades simultâneas.

Rimos. Da situação, de mim, do destino e, principalmente, da ciência que deveria estudar essas coisas com seriedade.

Mais tarde, a caminho do banheiro, passei novamente pelo fenômeno. A morena, o cão e a tal coleira. Verde. Um verde quase institucional. Verde que gritava: “obsessões têm consequências!”.

E foi assim que confirmei a máxima filosófica da Praia do Futuro: “Nem sempre é a bunda que é verde”. Mas, às vezes, é.


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