SENHOR
DOS ANÉIS
Reginaldo
Vasconcelos*
Dedos masculinos cheios de anéis rivalizam em cafonice com dentes de ouro e com correntes calibrosas no pescoço. Joias em geral requerem bom gosto, delicadeza, comedimento e discrição.
Mas fico cheio de dedos ao confessar que, na maturidade, tenho a tendência de incorrer nesse deslize de etiqueta – não por ostentação ou vaidade, mas em razão das memórias afetivas e pelo histórico da minha trajetória com os anéis.
Esses adereços clássicos me perseguem, e por vezes me abandonam (assim como as mulheres), desde quando meus pais trocaram catitas aliancinhas com os Canella, casal amigo de origem italiana, pequenas joias permutadas à guisa de anéis de compromisso que eles celebraram à revelia entre mim e a Carla, recém-nascidos, seus respectivos primogênitos.
A minha pequena aliança logo se perdeu na tralha do mundo, mas a Carla tinha a sua até adulta, pendente do cordão de ouro que usava – não sei se mantém e se porta essa pequenina joia ainda hoje, que não nos casamos e há muitos anos não nos vemos.
Depois o pequeno anel com um minúsculo topázio, recebido de uma madrinha aos oito anos de idade, que, certa vez, em banho de mar na praia mansa entre o Iate Clube e o cais do porto, uma marola me tirou do dedo e em segundos remansou e devolveu sobre o cascalho, após apelo mental que fiz ao oceano, em audiência íntima com Netuno.
Na adolescência resolvi usar durante algum tempo, por imitação parental, o anel com rubi que meu pai ganhara do pai dele e que usou durante toda a juventude – peça que depois sumiu de casa, causando suspeição sobre domésticos da família.
Anos 70, já rapaz, fui ao Rio de Janeiro e o amigo que me hospedava em Copacabana fora sócio de uma revenda de automóveis, já fechada por ordem da Justiça, depois de ilicitudes constatadas.
Num daqueles típicos bares cariocas de esquina o meu jovem anfitrião marcara encontro com um de seus parceiros nos negócios obscuros de veículos, o qual tinha no dedo um anel em ouro e ônix, adquirido barato de um sequioso viciado em cocaína, o qual me passou a joia pelo preço que comprara.
Anos à frente um irmão trouxe dos Estados Unidos da América um típico cabochão americano, a safira encrustada nos legalmente limitados dez quilates de ouro, mas com quase cinquenta gramas de peso, que ele me deu, e que por muitos anos usei, até que perdi-o por um descuido imperdoável.
Aliás, só me aliviei do peso dessa culpa ao encontrar casualmente e adquirir um outro anel de mesma “tonelagem”, e de beleza solar. E, ainda mais, coincidentemente assinalado com o símbolo cabalístico que utilizo em um dos meus livros, o filosófico “Eutimia”, para significar graficamente a complexidade ontológica de Deus.
Mas, antes disso, pelos anos 80, após uma confraternização de natal, um colega do escritório de advocacia me deixou em casa, e no trajeto para a sua, encontrou a morte em uma acidente tenebroso. Chamado às pressas, na madrugada, ao pronto socorro, recebi dos socorristas, entre outros objetos, o ensanguentado anel de grau do meu amigo.
A viúva preferiu que eu ficasse com ele, e em contrapartida eu me comprometi a passá-lo ao filho deles, que então era criança, quando da sua formatura. Mas este não se formou em Direito, e então eu custeei o seu anal de bacharel em informática.
Mais recentemente deparei-me, novamente por acaso, com uma raridade anelar, em prata e rubi, que fora enterrada por dois séculos, entre outras joias, em uma botija sertaneja, encontrada secretamente por um fazendeiro, peça vendida a um gerente de agência do Banco do Brasil do interior.
Constatada a qualidade física dos componentes minerais e a autenticidade artística e histórica do artefato, em que inclusive consta em alto relevo a coroa imperial, um monarquista precisava de mais um dedo para comprometer, em prejuízo da elegância.
Assim
como acontece às mulheres da minha vida, perdi alguns dos anéis que
fortuitamente cruzaram o meu destino, acima descritos. Mas, como me ficaram os
dedos, conservo e tenho que me fazer acompanhar para sempre dos remanescentes desses
preciosos adereços.
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