CONSIDERAÇÕES
SOBRE
A
(DES)IGUALDADE
Rui
Martinho Rodrigues*
1 – Considerações preliminares
A igualdade é debatida incansavelmente, relacionada com liberdade, segurança jurídica e democracia. No séc. VI a. C. o Partido Aristocrático, defendendo a igualdade proporcional ao mérito, competia com o Partido Republicano, que defendia a igualdade linear, argumentando que todos temos uma boca e um estômago. O debate continua oportuno e conveniente. Examinemos algumas considerações sobre igualdade.
2 – O significado e o alcance das palavras
A polissemia acomete algumas palavras importantes para a análise política. Comecemos pelos seus conceitos. São enormes as repercussões teóricas que as diferenças semânticas atribuídas ao termo igualdade podem causar. Democracia, direitos e justiça são exemplos de significados impactados pelas noções atribuídas a igualdade. A falta de clareza quanto ao que está sendo dito ocasiona graves equívocos.
3 – Igualdade e diferença
José D’Assunção Barros (1957 – vivo), na obra Igualdade
e diferença, reserva o conceito de igualdade para o que deve ser equiparado
por imperativo de justiça. Assim, desigualdade é uma diferença injusta. As
assimetrias que não configuram injustiça são apenas diferenças. Alguns têm
olhos castanhos e outros têm olhos azuis e isso é mera diferença, longe de ser
desigualdade. Registre-se que justo é um conceito indeterminado.
Só as assimetrias decorrentes da natureza são meras diferenças, como o fato de uns serem altos e outros baixos, alguns têm sanidade e outros enfermidades. Alguns estudantes obtêm boas notas e outros não se saem bem nos exames. Alguns são músicos talentosos e outros não distinguem uma nota musical. Seriam tais discrepâncias puramente naturais, explicadas pela biologia? Quanto haveria aí a influência de condições econômicas e sociais? As condições citadas, todavia, não impedem pessoas, nas piores condições, de se tornarem grandes músicos ou grandes matemáticos. Seria injusto a diferença? Surgem então as polêmicas concepções sobre desigualdade.
4 – As assimetrias patrimoniais
As liberdades econômicas são uma pedra no caminho da igualdade patrimonial. A concentração de renda deve ser superada pela sua distribuição? Alguns aspectos extrínsecos ao mérito da questão, mas relevantes, devem ser lembrados. Quem fala concentração e distribuição de renda geralmente esquece produtividade, formação poupança de capital (no sentido macroeconômico), e investimento produtivo. Rendas iguais significam igualdade de resultados ou igualdade linear, com o desprezo de outros fatores que não devem ser descartados.
Os “horrores” da concentração de renda se deram nos séculos em que a mortalidade infantil caiu; o analfabetismo caiu; a esperança de vida cresceu; os anos médios de escolaridade cresceram; e o acesso aos bens e serviços foi ampliado. O distributivismo deve ser analisado à luz dos resultados obtidos no caminho da igualdade entendida como provimento de necessidades.
5 – O exemplo da Europa
A Europa é lembrada como o exemplo a ser seguido. A ação do Leviatã como provedor estaria demonstrada, afastando a reserva do possível como obstáculo à satisfação de necessidades e desejos. A produtividade elevada de países Alemanha, Suécia, Reino Unido, França, fruto do emprego em larga escala de tecnologia e da qualificação de recursos humanos são fatores eclipsados pelo distributivismo. O desemprego estrutural de quase toda Europa não é esquecido. A assimetria das trocas internacionais, favorecendo os países desenvolvidos, muito lembrada quando a discussão é outra, é deixada de lado quando o debate é sobre as finanças do Estado provedor nos países desenvolvidos. A medida em que esta vantagem dos países desenvolvidos declina, a dificuldade para financiar o Estado provedor cresce.
Igualmente os baixos índices de corrupção, que agrava os custos dos serviços públicos, é igualmente esquecida. Registre-se que as economias europeias estão em sérias dificuldades, inclusive com elevados níveis de endividamento, apesar de tecnologicamente avançadas, dos recursos humanos qualificados e das trocas internacionais favoráveis. A manutenção, a longo prazo, do “paraíso terrestre” parece comprometida.
Os limites do bem-estar patrocinado pela sociedade através do Estado não são apenas financeiros. Princípios como esforço pessoal, autodisciplina e perseverança, necessários a superação das dificuldades, estão em declínio no Ocidente, onde o sonho do paraíso terrestre tornou-se hegemônico. O descarte dos citados princípios ligados às diferenças econômicas guarda relação com o declínio do Ocidente, onde se diz: ganharás o teu pão das mãos do Leviatã.
Pesquisas mostram vantagens econômicas da desconcentração de renda. Quem usa um grande anzol para pescar, só pega peixe grande. Não significa que o lago só tenha grandes peixes, segundo Rubem Alves (1933 – 2014). Os pressupostos e métodos do pescador só permitem pegar o que espera encontrar.
A pesquisa social é influenciada pelos pressupostos teóricos hegemônicos e os seus métodos. Os dados de mortalidade infantil, expectativa de vida, escolaridade e acesso aos bens de consumo não se harmonizam com a ideia de que a concentração de renda é economicamente prejudicial aos consumidores, quando lidos em escala secular. Registre-se o exemplo da economia dos EUA, onde o Estado Provedor não é tão grande como na Europa e o desemprego tende a ser menor e as crises são superadas mais rapidamente, apesar das despesas militares serem muito maiores.
Fuga de capitais e custos da máquina governamental devem ser contabilizados ao lado das considerações anteriores na avaliação das políticas distributivistas. O debate sobre os limites que devem ser respeitados pela concentração de renda e patrimônio, para que a dinâmica da economia não seja prejudicada, não podem ser estimados sem a análise da ampla constelação de fatores.
5 – Igualdade, direito declaratório e assecuratório
Igualdade é um direito. Pode ser declaratório,
protegendo a ação de realizar e desfrutar das realizações, quando proteger o
titular do direito contra a ação de quem queira impedir o seu exercício. Neste
caso não é oneroso para a sociedade que sustenta o Estado. Encarado como direito
assecuratório, que é garantia de realização da igualdade, implica em obrigação
de fazer, que é modalidade onerosa, a exemplo da igualdade de oportunidades,
que tem custo. Então o problema passa a ser definir a fonte provedora e o
limite de gastos, já que os meios são finitos. Assim chegamos ao problema da
reserva do possível. Isto é: não há obrigação de realizar o impossível. É um
problema sem fim definir a fronteira entre o possível e o impossível, tanto
quanto definir prioridades em meio a um mar de aspirações.
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