CONHECIMENTO, PAIXÃO
E POLARIZAÇÃO
PARTE II
Rui Martinho Rodrigues*
A Revolução Científica do Século XVII obteve êxitos espetaculares. Conseguiu prever, com grande precisão, fenômenos como eclipses e explicou todos os fenômenos mecânicos, desvendando o comportamento da gravidade, a trajetória parabólica dos projéteis permitindo aos físicos que nunca tinha manuseado um canhão ministrar aulas para artilheiros.
Isaac Newton (1643 – 1727) foi merecidamente reconhecido por seus grandes feitos. Isso motivou a compreensão de que havia algo radicalmente novo no modo de pensar e adquirir conhecimentos, embora o grande Físico tenha dito que os seus próprios feitos foram possibilitados por haver se colocado sobre os ombros de gigantes, referindo-se aos pensadores da Antiguidade Clássica e até a alguns medievais cujas contribuições lhe foram úteis. Prevaleceu, todavia, a ideia de que só o novo, o moderno tinha valor.
O merecido prestígio das ciências da natureza, por suas grandes realizações, foi apropriado indevidamente pelas ciências da cultura. A distinção entre estas duas formas de conhecimento suscita o debate sobre monismo e o dualismo metodológico.
Mas a diferença é real. A possibilidade de replicar experimentos como critério de validação só existe na natureza. Não é possível repetir a Revolução Francesa ou hiperinflação brasileira dos anos oitenta do Século XX para testar uma teoria. O conhecimento nomológico, isto é, explicados por leis em sentido científico (condições definidas e um conjunto de fatores necessariamente causando um mesmo resultado) que proporcionam a recorrência dos fenômenos diferem dos fenômenos sociais. Ciências humanas tendem a produzir conhecimentos idiográficos.
A volição dos sujeitos e a ação finalista valorada limitam drasticamente a recorrência dos fenômenos sociais, afasta o conhecimento nomológico, propicia a singularidade do conhecimento idiográfico, possibilita a busca do significado da ação dos sujeitos (pesquisa compreensiva), coisa inexistente quando o objeto de pesquisa é parte da natureza (K. E. Maximilian Weber, 1864 – 1920), na obra “Metodologia das ciências sociais”.
O monismo metodológico toma por base a necessidade de validação pelo falseamento das teses e pela efetividade das “proibições” impostas pelas formulações teóricas. Isto é: conhecimento, tanto nas ciências da natureza como nas ciências humanas, para ser válido, deve “proibir” algum acontecimento, do ponto de vista do racionalismo crítico de Karl R. Popper (1902 – 1994) em diversas obras entre as quais a coletânea “Textos Escolhidos”. Na natureza os ácidos, ao reagir com as bases, estão “proibidos” de resultar em outra coisa que não sejam sal e água.
Nas ciências da cultura existem “proibições”? A elasticidade da demanda em função da renda está “proibida” de apresentar resultado diferente da relação entre os fatores renda e demanda? A resposta é relativizada pela multicausalidade dos fenômenos sociais. A “proibição” não prevalece, embora a influência exista e possa ser rigorosamente observada, em certas condições.
Mas tais condições não são constantes. Ao lado da renda houve seca, guerra, manipulação da oferta mediante especulação? A política, a economia, o Direito e a cultura como um todo não apresentam comportamento estritamente nomológico como os fenômenos da natureza. A volição dos sujeitos e a ação finalista valorada favorecem a singularidade dos fenômenos elegendo a busca, pelo pesquisador, do significado da ação aludida na forma de pesquisa compreensiva.
Tudo isso afasta a “comprovação indubitável” do erro ou do acerto das formulações políticas econômicas e sociais e torna o debate permeável à manipulação e dificulta a análise. Paixões e interesses completam a complexidade e a incomunicabilidade. Ainda assim a crítica social aponta erros com “certeza inquestionável” e sugere transformar o mundo com “sabedoria infalível”. O mundo, acreditando nos intelectuais ungidos de que fala Thomas Sowell (1930 – vivo), anseia por servir de cobaia de experimentos.
O cientificismo, entendido como o ato de
invocar em vão o “santo nome da ciência” como saber unívoco, indubitável,
desclassificando do pensamento divergente como ignorância, obscurantismo ou
superstição acirra os ânimos, embora muitos se iludam com isso. Os
“esclarecidos” fizeram a Revolução Francesa prometendo igualdade, liberdade e
fraternidade. Entregaram a “fraternidade da guilhotina”, a “liberdade” da
tirania jacobina e a “igualdade” do bonapartismo Trataremos destes aspectos nas
próximas reflexões.
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