sábado, 12 de fevereiro de 2022

ARTIGO - Arte, Poder e Mídia (LA)

ARTE, PODER E MÍDIA
Luciara de Aragão*
 

 

A arte contemporânea, ou pós-moderna tem como característica principal a subordinação do artista ao sistema da arte. A dimensão dessa crise se mostra de modo inequívoco em todos os seus ângulos, independente de quaisquer teorias humanísticas, dificultando o entendimento do público não especializado, constatando o vazio de conteúdo e de significado numa pretensa arte de vanguarda.

Podemos considerar que, como quer  John Berger  em “Modos de Ver” (Martins Fontes, 1982), em qualquer período, a arte “tende a servir aos interesses da classe dominante, mas esta reflexão/provocação sobre a arte de nossos dias é “a antítese da atitude modernista de resistência à ideia da mercantilização da obra de arte” (Luciano Trigo, R.J.2009 “A Grande Feira”). 

Ao longo da História, está claro que a figura do artista sempre se ligou aos interesses econômicos do seu tempo, mas perplexos e desencantados, observamos, hoje, a distância entre as produções de vanguarda e a própria arte. A aliança promovida entre o capitalismo e o Estado burocrático é voltada para a maximização do lucro, a alienação artística e a atribuição de cotação diversa dos artistas na contemporaneidade. O grande problema nesta relação reside na domesticação da arte e no fato de que as grandes corporações investem numa agenda que diz respeito somente ao seu “business plan”. Não é novidade que as grandes corporações, patrocinadoras de arte, investem na formação de coleções milionárias, favorecendo artistas, museus, megaexposições cercadas de publicidade, elaborando a cotação dos próprios artistas contemporâneos. Podemos considerar que este processo frutificou e se profissionalizou, elevando os negócios de arte a um valor superior ao de qualquer campanha publicitária paga. 

A tradicional figura de um museu, instituição conservadora tradicional, que guarda e conserva o patrimônio ao longo do tempo, não representa mais a relevância de outrora. A tônica agora é elaborar conexões com redes de produção lucrativas e ágeis, todas voltadas para o lucro extraído do entretenimento das massas. 

Como as grandes patrocinadoras da arte, as grandes corporações aproximam-se, igualmente, da moda com as sofisticadas “maisons”, similares às das grandes galerias. Elas aproximam a linguagem publicitária da própria linguagem artística. Altos investimentos cercam a produção de filmes e argumentos de publicidade voltados para a venda e a materialização do consumo de artigos, produtos e serviços. 

O artista de nossos dias a isso se submete também, movido pela ideia da conquista da fama e do reconhecimento pessoal do seu trabalho. Na contemporaneidade, ele “precisa ser uma estrela: a fama é um índice de seu valor. Tanto quanto sua produção artística propriamente dita, importa o seu desempenho como figura pública capaz de chamar a atenção: é o artista como “performer” (Luciano Trigo, Idem). O marketing do autor e obra passou a ter uma importância vital para atrair a atenção da mídia e elaboração da propaganda. Por adendo, o domínio de um agressivo corporativismo adicionado a uma espécie de espírito de matilha, dominante na pequena fração da classe artística engolida pelo sistema, está pronta para desqualificar qualquer questionamento levantado. 

Os últimos trinta anos revelam a decadência artística assinalada por um desvio evidente, uma falta de rumos, inovações e criatividade, em sua grande maioria, submetidas ao mercado. Para esta constatação basta efetuarmos um rápido retrospecto no enfoque histórico da arte, tão diversa de quando então era gerada pelo formal e as elevadas ambições do espírito e vocação pessoal. 

Uma obra de arte digna deste nome, até a nossa evocada “modernidade”, um projeto autêntico e moderno de arte, revelava a sua própria autonomia, face a sua exposição. Pinturas da escola impressionista como as de Monet ou Renoir, fossem ou não expostas, permaneceriam como uma inconteste prova de arte, independentemente do local onde fossem expostas e seu valor intrínseco permaneceria imutável. Hoje, isto não acontece com a arte contemporânea, pois o valor de um objeto dito artístico está relacionado, em primeiro lugar ao local onde é exposto. Trata-se do entendimento da arte, vinculada ao local da exposição. Deu-se, portanto, uma inversão de valores. Antes, os museus e galerias se valorizaram pelas exposições de artistas consagrados com obras que tinham valor por si mesmas. Ao revés, o sistema corporativo de mercado adotado em nossos dias, faz com que os museus e galerias, por eles cooptados, sejam os que determinam se este ou aquele artista merece o reconhecimento de sua obra. São eles, em última instância, que determinam o valor artístico e financeiro da obra, estabelecendo na pós-modernidade, novos critérios de valorização e promovendo a consagração de autores para sublinhar a atribuição do seu “status”. Naturalmente, o valor dado a cada obra, não é o mesmo para todas as galerias e museus.

“O Urinol”, concebido por Marcel Duchamp (1917), antiarte provocadora e feito para não exposição e comercialização, traiu a sua própria antiarte, quando Duchamp produz oito réplicas adquiridas por museus e colecionadores. Este aparente sucesso mascara a subordinação ao mercado e ao cooperativismo das instituições, subordinando e impondo ao artista a permanência no lugar mais baixo da produção artística de nossos dias. 

A redistribuição de papéis é coercitiva. Nesta malha estão presos, além do próprio artista, curadores, críticos, promotores de arte, imprensa e academias. As pressões exercidas sobre eles, inibe as reações do bom senso e os coloca como meros expectadores a descritores de cores, formatos e conteúdos num arremedo de crítica externa, tão séria para os historiadores. Não se coloca em pauta, porém, a hermenêutica interna, com critérios de qualificação/desqualificação, inovação, repetição, criatividade. O senso crítico anestesiado estabelece significados mornos, dificultando-lhes a tarefa. A falta de um ponto fixo onde se possa apoiar o autor da crítica na análise da obra de arte, indo mais além do mero registro e do testemunho neutro é inexistente. 

A inversão de valores é tamanha que, para atender à demanda do mercado por suas obras, o artista britânico Damien Hirst administra um exército de operários, assistentes, engenheiros, químicos e artesãos, considerando ser importante apenas a ideia e não a sua execução. Uma arte dita conceitual, com instalações monumentais. Não se espera mais por criação do artista. Basta a sua assinatura na obra. Será isto legítimo, será verdadeiramente arte?

Nenhum comentário:

Postar um comentário