domingo, 30 de janeiro de 2022

CRÔNICA - Vaia ao Sol (TL)

 VAIA AO SOL
Totonho Laprovitera*

  


É o tempo de chuva, é o bonito do céu É pintura de cinza sobre o amarelo do sol.

 

A vaia é um sinal de desagrado. Comumente dada de jeito debochado e arrastado, é uma manifestação para demonstrar desaprovação por alguém ou alguma coisa. Também serve para mangar, quer dizer, para avacalhar qualquer fuleragem. 

Alguns dizem que a vaia surgiu na Grécia Antiga. Não sei se foi. Agora, se tiver sido mesmo por aquelas bandas, não duvido nem um tiquinho que ela desenvolveu-se no Ceará, onde dia de chuva é tido como tempo bonito e alegre.

 


Cá pra nós, a nossa vaia é patrimônio cultural imaterial cearense. De inconfundível sotaque popular, é uma das nossas mais fortes características de expressão, chegando até a servir para nos reconhecermos em terras alheias. Segundo o professor Gilmar de Carvalho, “falta uma pesquisa profunda sobre essa vaia, mas há indícios de que o grito é oriundo de tribos indígenas da região cearense”. 

Pois bem. Uma história que escuto desde menino véi é a do dia em que nós, cearenses, vaiamos o sol.  

Era janeiro de 1942 – em plena Segunda Guerra Mundial, ó? – quando na então adolescente Fortaleza, com seus 180 mil habitantes, rogava-se por chuva. O Ceará vivia uma de suas mais brabas secas e todos pediam para que o escaldante sol desse uma trégua, pelo menos, por uns mixurucas dias. Daí, no dia 30, eis que o tempo começou a se fazer bonito pra chover. Avexadamente, as brancas nuvens se encorparam bem abaixo do já acinzentado céu. Aos ventos, na Praça do Ferreira, as pessoas se amontoaram festivamente para dar as boas-vindas a tão esperada chuva. 

Mas, de repente, para decepção geral da galera, tudo começou a mudar. Antes que relâmpagos e trovões espalhassem a tal precipitação, aquele tempo foi enfraquecendo, murchando, até se desmilinguir. Aí, todo se enxerindo entre as grávidas nuvens, mais metido do que pau de lata, atrevidamente raiou o chispante sol! Ora, não deu outra, uníssono, do tamanho dum bonde, o bravo povo lascou-lhe uma baita duma vaia! 

Pois é, aquela vaia ao sol tatuou a pele trigueira da cultura popular fortalezense e essa história virou um bom exemplo da bem-humorada irreverência da gente alencarina. 

Assim, fazendo a minha parte para que a Cultura do Ceará Moleque dure uns mil infinitos, eu já estou é treinando para concorrer no próximo Concurso de Vaia Cearense: Ieeeeeiiiii!...




COMENTÁRIO:

A vaia cearense nem sempre é usada para censurar alguma coisa – ao contrário dos “apupos” que no mundo todo se utilizam – sempre para criticar uma performance artística, ou para desacatar algum político, ou para desaprovar um ato dele. 

A tradicional manifestação sonora coletiva cearense tem um espectro bem mais amplo. Pode ser elogiosa, exultante, dependendo do contexto, quando o público transborda de satisfação diante de uma cena que o anime ou o alegre – aliás, como é hábito dos índios. 

Mas a sua aplicação mais frequente, nas ruas e praças de Fortaleza – hoje já em desuso – exclusivamente pelo público masculino mais jovem (a turma, a negada, o canelau) era apenas o deboche humorístico sobre fato ridículo ou desastrado. 

Uma topada ou escorregão sofrido por alguém no espaço público, uma queda de bicicleta, uma discussão acalorada, uma pequena “barroada”, alguém vestido de maneira extravagante, tudo isso podia gerar uma vaia homérica, que se ia repetindo até por quem, mais distante, não assistira ao incidente causador e não sabia a sua causa. 

Até a passagem de um féretro podia gerar uma grande vaia. Neste caso, como muitos cearenses que iam para a Amazônia, se integrar ao Exército da Borracha, não voltavam mais, o grito de humor negro que se entremeava à algazarra, na passagem de um cortejo fúnebre humilde, era: “Mais um para o Acre!!!”. 

Reginaldo Vasconcelos

           

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