AS ORIGENS DO
TOTALITARISMO
Rui Martinho Rodrigues*
Hannah Arendt (1906 – 1975), em sua obra clássica “As origens do totalitarismo”, destaca o antissemitismo e o imperialismo como fenômenos associados ao totalitarismo. Analisa o nazismo, daí a inclusão do antissemitismo entre os fatores que propiciam o totalitarismo. Arendt analisou também a banalidade do mal, associando-o à recusa de assumir a responsabilidade pela iniciativa dos próprios atos e a atitude de quem não reflete sobre as próprias escolhas.
Theodore Dalrymple (Anthony Daniels, 1949 – vivo), na obra “A faca entrou”, discorre sobre a fuga da responsabilidade, descrevendo a fala de criminosos que ao invés de afirmar que esfaquearam alguém, dizem que a faca entrou. A banalidade do mal é semelhante na política e na criminalidade comum.
A vitimização de criminosos comuns se faz presente na vertente sociológica que dilui a individualidade nas estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais, excluindo a responsabilidade pessoal. A reflexão crítica e autocrítica também é afastada pela atitude maniqueísta, que favorece o argumento falacioso do tipo ad hominem (argumento contra a pessoa ou grupo de pessoas, ao invés de criticar o mérito das proposições debatidas), partindo de rótulos pouco esclarecedores como direita e esquerda, sempre com sentido pejorativo.
Karl R. Popper (1902 – 1994), na obra “A sociedade aberta e os seus inimigos”, destaca Platão (428 a.C.– 348 a. C.) entre os antagonistas da liberdade. O governo de sábios, sem o consentimento dos governados, a desigualdade entre filósofos (esclarecidos) e pessoas comuns (alienados) estão na base da utopia platônica.
Ao alegar que não se entrega o comando de um navio senão a um piloto competente, em analogia com o governo da polis, o grande pensador confunde juízo de realidade (técnica) com juízo de valor (escolha valorativa), adotando o saber como fonte de legitimidade política. A alegoria da caverna, de Platão, desqualifica o entendimento do povo (que só conhece as sombras no interior da caverna) e supervaloriza uma racionalidade supostamente indubitável dos filósofos identificados com o homem que saiu da caverna.
Outro gigante da Filosofia, Georg W. F. Hegel (1770 – 1831), classificado por Popper como contrário ao pensamento democrático, propunha que o real é racional e o racional é real, indiferenciando as cogitações idealistas e a realidade, transformando-as em dogma. O romantismo, com o titanismo, acentuou o desprezo pela realidade, presente em diversas correntes políticas, conforme descrição e análise de Isaiah Berlin (1909 – 1997), na obra “Ideias políticas na era romântica”. Os fracassos das engenharias sociais ou revoluções não sensibilizam porque o racional é havido como real.
O cientificismo de Auguste Comte (1798 – 1857) é apontado como o grande exemplo de iluminismo tardio que usou o argumento de cientificidade para legitimar ideologia. A crítica procede, mas ele não é o único nem o mais influente, embora tenha sido, no Brasil, uma referência importantíssima. Dogmatismo, proselitismo e uma postura messiânica facilitaram a penetração do positivismo de Comte pela semelhança com os mesmos atributos das raízes jesuíticas da formação histórica da educação em nosso País.
Depois o
materialismo histórico, igualmente esgrimindo uma suposta cientificidade,
armado da missão salvadora dos oprimidos, tornou-se hegemônico. Três correntes
adversárias, mas semelhantes, contribuem para o dogmatismo, o salvacionismo e
para a falácia ad hominem que estão
nas origens do mal.
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