A NOSSA FORTALEZA
Totonho Laprovítera*
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdra_dInbx3fWRf0fo6dQwMb1PxFuYG4gZMAyjd2MYbO4u_HhlrmivlBZMD5wFWhlht2dMsZCIzfVJV27jhOigoeFxBK3vrrJQkR-yyy3QcvMDMfrVqIW2k6KuN_1VvOwKkOxaxmvhcnX8/s320/ARRAIA+I.jpg)
Andava de
ônibus sozinho, comprava picolé fiado do velho doceiro Tapioca e atentava aos
gritos de “Vai doce americano!” do negão que anunciava as coloridas (verde,
rosa e branco) guloseimas.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEXiX33iHLHQs30UxGDhMz6Y2DW4Ln62Hh1_eZ6kgFyzI_2Ljj3Eo5cE-TdnU-gH6Lz-s-hjVP-AB3FryCij_Jso6T4BLG-3sQr5wQwUz43O15vTqx1a9CqGutCf05Pajm180P2ANGg6BC/s200/ARRAIA+II.jpg)
Na bodega do
Milson, na Aldeota, perto da minha casa, nem conto as vezes que fui comprar
chiclete, bombom ou tomar refrigerante.
Lembro demais
do meu pai deixar o carro aberto, quer fosse estacionado na rua de casa ou
perto do seu consultório, na Barão do Rio Branco com Liberato Barroso, para não
esquentar muito.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7MbvCHGvxbKPI8OALkR-RQikWb-5Pj_wNcQ6gSo-0VYU31_9NUUmoro198GU1LgxKbxQltUqtXUvI9CfRmaeB77m6kQBRWCWGUG2WlWpnh-94vmImQ66-TvEUOZ4AupimF9WhV7NnZdYh/s200/ARRAIA+III.jpg)
Quando das
tertúlias, eu voltava a pé pra casa, serenamente, pelo meio da rua. Ia dançar
no Patinação e nas festas em quase todos os clubes suburbanos da cidade. Ia às
barracas da Praia do Futuro e aos cabarés da Rua Dragão do Mar e cercanias.
Cansava de encerrar as puxadas noitadas no bar Sereia, do Deó, onde se tomava
um excelente caldo de peixe.
Já na
faculdade, eu frequentava vários bares da Gentilândia e comprava fiado e na
palavra os livros do Seu Rodriguez, um livreiro espanhol merecedor de homenagem
dos antigos estudantes de arquitetura da UFC.
Nesse tempo, a
tranquilidade era tanta, chega, certa vez, depois de uma festa no início do
Obá-Obá, lá pelas bandas então longínquas da Unifor, quando eu ia embora, o
guardador de carro me gritou: “Ei, sua carteira tá em cima da capota do carro!”
Em gesto de agradecimento, fui gratificá-lo e ele me disse: “Precisa não, você
já me deu gorjeta”.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXLpB5QbF8eq4jQvqP4MBnZC_Jnw925PHwzcrdPvCAQfKttsZmceDz9UmDa6oqqvRN3WOIuSErQohZsLWmwWAsk7KRU-c0y8D4WsB69d2mR6lUcWja0jW5xry0GnkgTPqYmAwdxmV7rBGk/s200/ARRAIA+IV.jpg)
Pois é, sem ou
com saudosismo, eu tenho a certeza de que Fortaleza ainda vai voltar a ser
romântica, saudável e bem-aventurada. A sua inocência, perdida pelas patologias
das cidades grandes, se Deus quiser, vai ser suprida pela maturidade de quem já
viveu o bom e o ruim. Muitas coisas são demasiadamente doídas, eu sei,
mas, se inevitáveis, que nos sirvam de lição para amadurecermos a ideia de que
o valor da vida está na sua boa qualidade. Afinal de contas, a gente veio ao
mundo para ser feliz!
COMENTÁRIO:
Estreia com o
pé direito em nosso Blog o confrade Totonho Laprovitera, com essa bela crônica saudosista,
que revela o grande memorialista que ele será quando quiser enfrentar obra de
fôlego nesse gênero, a exemplo do nosso Membro Titular Emérito Augusto Borges,
e o nosso Honorário Veterano Narcélio Limaverde.
E ousa aplicar
o cearensês livre de aspas, como na expressão “menino véi”, e dos regionalismos
“bodega” e “turma”. Aliás, “turma” já era a forma elegante do termo “negada”, ainda
mais alencarino, ambos os usos substituídos hoje pelo carioquismo “galera”, relativo
às galerias do Estádio Maracanã, que a TV disseminou no Brasil inteiro.
E Totonho não
se peja de aplicar a preposição coloquial “chega”, que eu só vira antes nas
doçuras frasais de Lins do Rego, como no exemplo do Eurélio, em Banguê: “E a peia no lombo, chega cantava de longe”.
Conheci quase
todos os personagens e referenciais de época a que Totonho se reporta – e
principalmente os pregões que ele relembra – e que não voltam mais, como se
queixa em relação a Lisboa aquele fado português.
Reginaldo
Vasconcelos
Nenhum comentário:
Postar um comentário