LIMITES DA
PERSECUÇÃO PENAL
Rui Martinho Rodrigues*
O Ministério Público Federal (MPF), no
cumprimento do dever de fiscal da lei, suporta o ônus da persecução penal enfrentando
poderosos encastelados nas mais altas esferas da República.
Merece todo o apoio da sociedade.
A equipe de procuradores de Curitiba
entrará para a História pela contribuição que tem dado na defesa do interesse da
sociedade. A missão empolga. O combate pode despertar animosidade,
principalmente se os transgressores agridem os agentes da lei com artifícios
diversos. Não se pode, todavia, olvidar os limites da persecução penal.
A nossa Carta Política, a lei
infraconstitucional, a doutrina internacional e a jurisprudência dos nossos
tribunais são unânimes: a pena não pode passar da pessoa do agente do crime. O
garantismo penal, empenhado em proteger os réus e condenados da sanha punitiva
da sociedade e do Estado, tantas vezes manifesta na forma de abusos, limita a
aplicação da pena aos atos de execução da conduta criminosa.
O Iter
criminis compreende três fases: os atos preparatórios, a execução e o mero
exaurimento do crime. Planejar e adquirir meios para a ação criminosa não
configura crime, salvo se constituírem tipo penal distinto daquele
correspondente aos atos de execução. Exemplificando: comprar veneno com o
objetivo de matar alguém não é crime, salvo se houver outro tipo, distinto de
homicídio, incriminando a compra do veneno.
O exaurimento de delitos também não é
crime. Exemplo: um deputado comete peculato, evasão de divisas, sonegação
fiscal, fraude em licitações e outros delitos. A esposa dele gasta em
futilidades, comprando luxuosos bens de consumo com os recursos ilícitos.
Trata-se de exaurimento do crime, classificado como irrelevante penal. É conduta
atípica.
Pode-se redarguir que cabia à referida
senhora o dever moral, que não tem natureza jurídica, de manter distância do
dinheiro adquirido por meios ilícitos. Existe o dever moral, mas penalmente a
conduta é irrelevante. Denunciá-la por crime só será possível se – e somente se
– a referida senhora houver praticado alguma conduta típica. Comprar artigos de
luxo não constitui tal coisa.
A esposa do deputado Eduardo Cunha, Cláudia Cruz, foi
denunciada pelo MPF de Curitiba. Não sei se ela cometeu conduta típica, indo além
da simples compra de artigos de luxo. A parte que ouvi da entrevista de um dos
Procuradores de Curitiba só tratava da compra de artigos exageradamente caros,
no mais luxuoso comércio internacional.
Caso isso esteja sendo imputado como
crime, estaremos diante de um grave erro. Caso seja outra a acusação, como tenho
esperanças de que seja, não haveria necessidade de tanta ênfase, por tanto
tempo, durante a entrevista, nas compras de artigos de luxo.
A pena não pode passar da pessoa do
réu, que no caso é o senhor Eduardo Cunha. Cônjuges não podem ser apenados uns
pelos outros. Como visto, o gasto alardeado é mero exaurimento do crime,
irrelevante do ponto de vista penal. Não devemos alimentar a exacerbação dos
espíritos. Puna-se o agente da ação criminosa, e basta. O que passar disso é
política, e má política.
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