sábado, 13 de abril de 2013

CRÔNICA


O FIM TAMBÉM É PROSAICO...


Geralmente cultivada com o aumento de fortunas, a soberba faz o homem esquecer a mortalidade, mas, “desde que o mundo é mundo”, se habituou a ver e ouvir que se trata de um evento de ordem natural para o qual não há remédio.

A depender da crença e da filosofia, por que é tão temível? Aos desafortunados viventes sobram consternação e apuro ante as despesas funerárias. Todavia, a regra não se aplica a todos; outros a fazem de degrau para contentar a vaidade, numa demonstração de luxúria e ostentação.

Talvez, nessas horas, do outro lado, o falecido acorde do sono profundo, zombeteie e ria do teatro, das futuras “brigas de foice” entre herdeiros, até da alegria do suplente político que ocupará a sua vaga.

A despeito disso, o assunto teve conotação lúdica em um recurso extraordinário interposto pela Prefeitura Municipal de Pirassununga, em ação que respondia por haver removido uma placa mortuária a teor do epitáfio:

Bípede, meu irmão, eis o fim prosaico de um espermatozoide que, há mais de 80 anos, penetrou num óvulo, iniciou seu ciclo evolutivo e acabou virando carniça. Estou enterrado aqui. Sou o Chico Sombração, xingai por mim. Francisco Franco de Souza”, o qual faleceu em 1968.

O de cujus, enterrado no cemitério local, era um personagem irônico, boêmio, com acurado senso de humor. A vontade de Chico Sombração não pôde ser respeitada, uma vez que a inscrição tumular foi considerada incompatível com os “princípios gerais e éticos”.

Assim, a retirada da lápide, por conter manifestação irreverente, mas verdadeira, reconheceu o poder de polícia da municipalidade. O que então era do domínio privado da cidade, ex vi da decisão do STF, ganhou foros de notoriedade e mais publicidade com o registro nos anais de sua jurisprudência.

Contudo, o Sombração alcançou o seu objetivo a respeito da verdade biológica: todos nascem, mas todos morrem; zombou ainda dos egoístas miseráveis que, reduzidos a nada, não têm o direito de saber o destino de seus bens post mortem.

Tudo finda debaixo do Sol. O retorno ao pó da terra não tem exceção. Apenas o amor resiste à morte e, se cumprida a missão, haverá o merecido descanso. Como nos ensina o convertido apóstolo Paulo: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine”.

A saga humana, independente da condição social, termina na sombria e silenciosa campa ou em um forno crematório.
 
Por Paulo Maria de Aragão
Advogado e professor
Membro do Conselho Estadual da OAB-CE.
Titular da Cadeira de nº 37 da ACLJ









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