Ex-diretor do DNOCS fala sobre
o açude Castanhão
e a seca no Ceará
O distinto jornalista Roberto Moreira, editor deste Blog, solicitou-me
fazer uma análise consubstancial sobre o papel do Açude Castanhão, tendo em
vista o quadro de incertezas face à seca que o Estado do Ceará está enfrentado
no seu segundo ano consecutivo.
Como toda a comunidade cearense sabe, a discussão em torno da construção
do Açude Castanhão (à sombra dos interesses da poderosa Construtora Andrade
Gutierrez) durou mais de quinze anos, a partir do ano de 1985, quando ele
surgiu no cenário técnico do Estado do Ceará. Digo “surgiu” porque até aquele
ano, ao contrário do marketing dos seus promotores e defensores, nunca se havia
falado na construção da referida obra.
Não havia, portanto, menção a essa barragem, nem nas publicações do DNOCS,
e muito menos nas da SUDENE (Estudos de Base do Vale do Rio Jaguaribe – doze
volumes). Os seus promotores e defensores diziam que o referido açude iria
resolver “definitivamente”, o problema da seca em todo o Estado do Ceará, e que
não iria faltar mais água em nenhuma região deste Estado.
O Castanhão, afirmavam, era o “pulmão” do Projeto do Rio São Francisco e
outras e aleivosias próprias de um forte marketing formado em cima desse
empreendimento. Houve um distinto Conselheiro no COEMA (Conselho Estadual do
Meio Ambiente), favorável à obra, que chegou ao cúmulo do absurdo de dizer que
o Açude Castanhão “iria resolver não só o problema da falta de água no Ceará,
como de todo o Nordeste”. Outro Conselheiro, em seguida, ironizou: “Não só do
Nordeste, do Brasil e do Mundo”.
O referido açude foi construído a jusante (abaixo) do Açude Orós, que na
seca de 1991 a 1993 foi quem, de fato, salvou a cidade de Fortaleza e de sua
Região Metropolitana do caos, graças à construção do Canal do Trabalhador pelo
então Governador Ciro Gomes.
Afirmo que o Açude Castanhão, na seca atual, se ainda não existisse, a
Região Metropolitana de Fortaleza seria atendida pelo Açude Orós, como ocorreu
no ano de 1993. Além do Açude Orós, que a esta altura está com mais de 67% de
sua capacidade total de acumulação de água, ainda teria como garantia o Açude
Banabuiú, que está com cerca de 45% de sua capacidade.
Portanto, não procede a afirmação de que Fortaleza está sendo “salva”
graças ao Açude Castanhão, que nestes dez anos de construído, a bem da verdade,
ainda não foi requisitado para os objetivos para os quais ele foi preconizado,
apesar da propaganda em contrário dos seus antigos seguidores e defensores que
dele se utilizam para promoções pessoais.
A minha tese era que o Açude Castanhão poderia ser construído com 1,2
bilhão de metros cúbicos, como parte de um conjunto 10 a 12 barragens de médio
porte distribuídas espacialmente em todo o Vale do Rio Jaguaribe. Ele seria um
deles. Mas optou-se, por razões que desconheço, nem quero aqui entrar nesse
mérito, por construir esse reservatório pontual com 6,7 bilhões de metros
cúbicos, numa região que já era perenizada (pasmem!) pelos Açudes Orós e
Banabuiú.
Eu dizia, inclusive, que aquele planejamento de bzrragens, que não era
meu, mas do DNOCS, iria “democratizar a água”. É como se todas as
disponibilidades hídricas do vale do Rio Jaguaribe fossem localizadas num só
ponto, a apenas 150 quilômetros do mar, praticamente no litoral, onde não há
seca, pois que todas as cidades do litoral cearense estão fora do estado
de emergência decretado pelo Governo Estadual. Entretanto, há regiões no
próprio vale do Rio Jaguaribe que, dentro de dois meses, se não chover,
não terão mais uma gota de água para abastecer a sua população.
Eu, como cidadão, fiz a minha parte. Antevi tudo o que poderia acontecer.
Agora é tarde, Inês é morta. O jeito é tentar conviver com este erro histórico
de engenharia extraindo do Açude Castanhão os diminutos benefícios que aquela
barragem ainda pode oferecer. No mais, se isso serve de consolo, ficamos com um
gigantesco e belo monumento de engenharia, podendo até mesmo ser explorado para
fins turísticos.
P.S.- Confesso-me indignado, e posso afirmar que os defensores do Açude
Castanhão não fazem jus ao diploma que receberam da Escola de Engenharia onde
estudaram. Por essas e muitas outras razões, que não cabem aqui elencar, aquele
açude foi condenado, por unanimidade, pelo Tribunal da Água, com sede em
Copenhagen, quando realizado, à época, em Florianópolis, Santa Catarina. Como
ex-técnico do DNOCS fico com a consciência tranquila porque tive a
oportunidade de registrar e preconizar tudo relativo a esse empreendimento no
livro “A Face Oculta da Barragem do Castanhão – Em Defesa da Engenharia
Nacional”, editado em 1999. Ou seja, tudo o que foi dito naquela publicação
está se confirmando dez anos depois que a referida obra foi concluída.
Cássio Borges
Engenheiro civil
Ex-Diretor Regional do DNOCS
Diretoria de Estudos e Projetos
Membro Honorário da ACLJ
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Publicado em 01/04/2013
No Blog do Jornalista Roberto Moreira
Titular da Cadeira de nº 31 da ACLJ
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