Homenagem a José Alves Fernandes
Academia Cearense de Literatura e Jornalismo
Caros confrades, amigos e parentes, senhoras e senhores,
É com a consciência da grande responsabilidade que
tenho, neste momento tão especial, de falar como membro da Academia Cearense de
Literatura e Jornalismo e, também, como filha do nosso homenageado, o Prof.
José Alves Fernandes, que começo me valendo de uma das inúmeras qualidades
dele: a humildade.
Pois, mesmo tendo tido o privilégio de ouvi-lo e
vê-lo tantas vezes discursar, dar aulas e proferir palestras tão bem elaboradas
e sempre criteriosamente revisadas e até ensaiadas, tamanho o seu zelo com a
profissão, ainda assim, estou longe de possuir toda a sua proficiência e lastro
intelectual. Quisera eu ter herdado geneticamente a sua enorme habilidade com
as palavras e o seu profundo conhecimento da nossa língua mãe.
Mas como não é assim que a coisa se dá, vou fazer o
que, na maioria das vezes, dá certo com relativo sucesso: usar a linguagem do
coração. Esta, sim, herdada e adquirida dos muitos exemplos de meu pai.
Nosso confrade era um José, que tinha tudo para ser
um qualquer, um Zé, como tantos outros bravos heróis anônimos desse Brasilzão
de meu Deus. Nascido em São José do Mororó, um lugarejo no município de
Aracoiaba, o nosso José nasceu do difícil primeiro parto de Josefa Alves
Fernandes, esposa de Tarcísio de Almeida Fernandes, sob os tiros do rifle de
papo amarelo de seu avô, a comemorar no terreiro de casa: “Meu neto nasceu!!!” Pum! Pum! Eu ouvi essa
história diversas vezes, sempre encantada pela forma entusiasmada como papai a
contava.
Acontece que o neto de Chico Luca nasceu roxo e sem
chorar, o que fez o religioso avô levar o recém nascido José, enrolado a uma
tipóia, duas léguas à cavalo para ser batizado, a fim de que o menino não morresse
pagão. A arriscada operação poderia ter piorado o estado debilitado ou até ter
levado à morte o nosso pequeno herói, não fosse a fé e a determinação do
obstinado avô.
Algo de miraculoso e premonitório se deu, porém,
quando o sacerdote ao colocar o sal na boca do pequenino e proferir a frase: Accipite sapientiae sale, em latim,
“Recebe o sal da sabedoria”! José ouviu as palavras que haviam de inspirar o
seu destino de mestre e bradou seu primeiro grito de vida.
O primogênito de Zefinha e Cici usufruiu de toda a
sorte de peripécias e aventuras de menino de interior como todos os outros, mas
algo o diferenciava sobremaneira. Chamou a atenção de sua primeira professora,
a Dona Islai, o interesse desmedido do pequeno pelas palavras. Em seu primeiro
contato com um dicionário, José deu conta da falta de páginas e decorou todas
as palavras do maravilhoso brinquedo que o entretinha absorto naquele mundo
mágico de letras e significados. Parecia incrível pra sua professora primária
do interior, que o menino tivesse tanta facilidade em aprender e com tanta
voracidade.
D. Islai foi comunicar ao avô-mentor que José deveria
ir para outras plagas dar vazão ao seu processo crescente e acelerado de
desenvolvimento intelectual. Daí para estudar em Baturité e logo depois em
Fortaleza tudo fluiu como deveria. E o pequeno virara a esperança do avô de ter
um padre na família, como era de costume á época. Então, José passou a estudar
no Seminário Diocesano da Prainha em Fortaleza, onde, sem sombra de dúvida,
passou os anos determinantes de base sólida da sua formação intelectual e
pessoal.
Anos difíceis para o menino de hábitos simples,
apegado à família e à vida livre do sertão, mas de fundamental importância para
a lapidação da pedra preciosa que brilharia um dia no meio acadêmico e se
tornaria referência e exemplo de vida para toda a sua gente!
Eu poderia continuar a esmiuçar sua árdua e linda
trajetória de vida e profissão, citar as muitas conquistas intelectuais, as
cadeiras ocupadas em várias academias, inclusive na nossa ACLJ, os títulos dos
quais destaco o de Professor Emérito da Universidade Federal do Ceará e o de Doutor Honoris Causa, concedido pela UVA de
Sobral, seu último compromisso formal como professor, onde era tratado como um
verdadeiro pop star, com direito a
gritinhos e autógrafos das alunas mais afoitas e apaixonadas pelo doce mestre
quando ele ia àquela cidade para algum evento especial.
Minha filha Camila, a
neta companheira de todas as horas, presenciou as manifestações de admiração,
carinho e, porque não dizer a tietagem dos alunos do curso de letras daquela
cidade por ele. Chegou a registrar em foto a veia humorística e espirituosa de
papai que, vestido com toda a indumentária propícia à solenidade em questão. Em
retribuição à ovação do auditório de fãs, quebrou todo o protocolo e a
formalidade fazendo o gesto da moda (juntando as mãos formando um coração). A plateia
foi ao delírio com palmas, assovios e risos, coroando aquele momento tão especial
com alegria em profusão.
Assim era o intelectual doce, extremamente
carismático e humano, José Alves Fernandes, que emocionava com seu jeito terno
e simples.
Eu poderia ressaltar a importância da sua obra no
Dicionário Formas e Construções Opcionais da Língua Portuguesa e o ainda tão
esperado Dicionário Cronológico da Língua Portuguesa, as contribuições ao
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa... Mas tudo isso já é de conhecimento e
reconhecimento de todos.
Nesta homenagem ao confrade quero deixar na tela das
vossas mentes a respeito do nosso José Alves Fernandes, as mais singelas
imagens do mestre vestido na sua calça de moletom, camisa polo e sandálias
havaianas entre as árvores do seu Sítio Val de Lobos, contando histórias e
tomando um bom vinho. Sim, um bom vinho para saborear o “peixe de São Pedro”,
como se orgulhava de chamar a tradicional tilápia frita dominical, enquanto
contava suas deliciosas histórias. Esses eram os momentos mais felizes do
grande intelectual.
E entre um gole e outro, uma pausa dramática, acompanhada
de uma expressão no olhar azul por cima dos óculos, que nos mantinha quase sem
respirar esperando o desfecho triunfal das grandes histórias degustadas por
ele. Um grande contador de histórias, de Troncoso, de aventuras da infância, do
seminário, dos livros, dos heróis gregos, epopeias... História das palavras!
Palavras! Sempre palavras! Nunca esquecerei algumas das suas últimas:
“Eu estou preocupado não é com a verdade do Freud,
nem com a do Bento XVI. Não estou preocupado com uma coisa e, sim, com a coisa.
Porque quando a mentira se torna padrão, não existe a verdade. Passa a existir
uma mentira atrás da outra pra sustentar a inverdade. É bom registrar o que eu
to dizendo, porque isso não é lido nos livros. Vocês tem que abrir as janelas
de vocês. E virando-se para a enfermeira que perguntou se ele era católico,
respondeu: A palavra é complicada, mas a verdade é simples. Sou ecumênico.
Porque acredito na verdade e por isso gosto de todos que acreditam na verdade.
Sou cristão porque Cristo é a verdade.”
José Alves Fernandes vivia suas verdades com paixão e
entusiasmo! Entusiasmo – é essa a palavra! Com Deus no meio, no centro, no
coração! Um homem ecumênico, entusiasta e entusiasmado! Ancorado ao self, à essência pura e divina, à
verdade.
Cheio de Deus em tudo que fez! Esse é seu maior legado.
A Academia Cearense de Literatura e Jornalismo se
orgulha e se alegra de tê-lo conosco. Sim, ainda o temos e teremos conosco na
imortalidade do espírito da nossa confraria e que era também o que animava
nosso homenageado: o entusiasmo pelas nossas principais matérias primas, a
verdade e a palavra. E para expressar a palavra em gesto, aqui vai pra você,
pai, mestre e confrade, o nosso muito obrigados de verdade!
18.12.2012.
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