A PALAVRA DO ANO
Elizabeba Rebouças*
No mês passado, tive o prazer de assistir a uma reunião de cunho literário da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo (ACLJ). Depois de ter declinado do convite algumas vezes ao amigo de longa data e presidente daquela Academia, Reginaldo Vasconcelos, assenti naquele dia em revigorar, por meio da Literatura, as forças perdidas pelo labor do dia-a-dia, lembrando de Fernando Pessoa: “a Literatura, como toda arte, é uma confissão de que a vida não basta”.
Era, na verdade, a segunda vez pela qual eu, juntamente com meu marido, participava de uma sessão da Arcádia Alencarina – nome dado pela ACLJ ao seu núcleo diretivo, que tem reuniões mensais – mas me parecia a primeira, pois, embora com rituais próprios, esta mantinha espaço para o improviso.
Iniciada a sessão, deu-se posse a dois novos membros: o jornalista Barros
Alves e o memorialista George Tabatinga, que, após serem vestidos com suas
pelerines, inauguraram sua fase de imortais literários, saudando os seus pares,
com seus discursos de posse.
Aos recém-colegas empossados, dentre outras saudações, foi lida, pelo acadêmico Pedro Bezerra de Araújo, uma crônica de Katharine Hepbum, a qual destacava a solidariedade, e, posteriormente, ao som do violão do também acadêmico Cesar Barreto, foi executada e cantada a música Coração do Mar, de sua autoria.
No fim da cerimônia, passou-se à escolha da palavra do ano. O presidente explicou aos presentes que isso decorreu de uma tradição da Inglaterra e que a ACLJ, desde 2018, vem adotando o costume inglês que já se estendeu em diversas instituições e países.
As palavras ali apresentadas foram “terrorismo”, “resiliência”, “inteligência artificial” e “narrativa”, sendo escolhida a primeira. No processo de escolha e enquanto o presidente fazia menção às palavras dos anos anteriores, fiquei cá com meus botões sobre qual palavra eu indicaria se tivesse o poder de voto.
Veio-me à mente a palavra humanizar, que foi logo refutada pelo meu próprio pensamento: o que ela teria de novo, se nasceu junto com a própria humanidade? Mas logo lembrei que a palavra “mulher”, nascida concomitante à existência humana, foi eleita em 2022 a palavra do ano pelo Dictionary.com.
No mesmo ato, pensei na famosa frase de Simone de Beauvoir “não se nasce mulher, torna-se”, da qual, por analogia, pode-se inferir: “não se nasce humano, torna-se”. Ou seja, humanizar-se se faz necessário para alcançar a essência do humano. Lembrei-me de Sartre: “a existência precede a essência”. Aqui abro um parêntese para dizer que, embora não comungue com o significado atribuído pelo filósofo francês a essa frase, utilizo-a não somente sob o pálio da licença poética, mas também para que novos significados possam surgir, inclusive dos existencialistas cristãos, entre os quais me incluo. Dito isso, continuo a reflexão sobre a escolha da minha palavra do ano.
Como humanizar para nos tornarmos humanos? Ou, em outras palavras, como humanizarmos para não sermos desumanos? Se para Aristóteles o homem é um ser social, então será que ao deixar de ser gregário caminhar-se-ia para um processo de desumanização?
Ora, tinha lido que a Organização Mundial de Saúde, no último dia 15 de novembro, declarou a solidão como uma ameaça global urgente à saúde, e anunciou a criação de uma Comissão de Conexão Social para, durante os próximos três anos, lutar contra o isolamento social.
Nesse mesmo sentido, o Reino Unido, que sempre se posicionou, economicamente, como uma das maiores potências do mundo, criou em 2018 o Ministério da Solidão.
Fiquei pensando que, se no primeiro pós-guerra, a devastação social e econômica fez florescer a Organização da Assistência Social como política pública para atender aos desvalidos, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, na contemporaneidade o cenário aponta a necessidade de construir políticas públicas para combater os efeitos nefastos da solidão, com o mesmo objetivo: promover a humanidade existente em nós.
Lendo a página da OMS sobre os impactos da solidão, vi que ela pontuou:
“Pessoas sem conexão social enfrentam um risco maior de morte prematura. O
isolamento social e a solidão também estão ligados a ansiedade, depressão,
suicídio e demência, e podem aumentar o risco de doenças cardiovasculares e
acidente vascular cerebral”. Um dos líderes da Comissão de Conexão Social,
Vivek Murthy, afirmou ainda que a solidão é tão prejudicial para a saúde quanto
fumar 15 cigarros por dia.
Diante disso, penso que, nos dias de hoje, a resposta para aquele jovem rico que apareceu a Jesus indagando-lhe o que fazer para ganhar a vida eterna, seria, em vez de “vende tudo o que tens e dá aos pobres”, “compartilha todo o tempo que tens com os mais necessitados”; ou talvez, sendo Cristo conhecedor da escassez do nosso tempo, e na sua misericórdia para conosco, dissesse “doa apenas, diariamente, 30 minutos do teu tempo”. Resta saber quantos de nós ganhariam a vida eterna. Bem, são muitas conjecturas, mas com a certeza de que humanizar é preciso.
Parabéns excelente reflexão.
ResponderExcluirMuito bom! Agradável e instigante a leitura. Seguindo a reflexão, começemos a humanizar a nós mesmo, seguindo pelos nossos, depois, erradiemos ao nosso próximo. Parabéns, intelectual e espiritual se somam.
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