sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

CRÔNICA - Agonia em Rito de Passagem (BA)

 AGONIA EM
RITO DE PASSAGEM
Barros Alves*

 

 

O tempo dos homens (kronos) não é o tempo de Deus (kairós). O tempo de Deus está no plano do perene, da eternidade. Não há lugar para cansaços e desesperos nessa intemporalidade. Bem ao contrário é o tempo que nós, os mortais, medimos com o sentido do efêmero, da finitude.


Daí a melancolia que parece invadir o nosso mundo em ritos de passagem como é o caso da passagem de um ano para o outro. É como se amanhã fosse outro dia. Sem choro, sem lamentações, sem as esquivanças que nos são impostas pelos desequilíbrios cotidianos. Ano novo, vida nova! Tudo regado a boas esperanças.

 

Na verdade, o tempo não para e a mudança de um ano para outro é apenas uma formalidade com página virada no calendário. O ano que mudamos aqui não muda ao mesmo tempo em países do Oriente. Os calendários ortodoxos, chineses, dos judeus e muçulmanos marcam fim de ano em datas diferentes da nossa. Nós, cristocêntricos, não perdemos a mania de focarmos somente em nosso umbigo. É como se o mundo girasse em torno do Ocidente Cristão. Mas, como dizia o filósofo francês Roger Garaudy, o Ocidente é apenas um acidente na história humana.

Nenhum problema que marquemos nosso tempo em antes e depois de Cristo. Ele é o nosso mestre e guia, Ele ilumina nossa caminhada na história, Ele é o suor e o sangue daquilo que se convencionou chamar Cristandade, mas que parece agonizante por estes tempos aziagos. Pode não ser coisa nova. O pensador espanhol Miguel de Unamuno, na primeira metade do século passado, já falava numa “agonia do Cristianismo”.

 

Essa agonia, que indica um abandono do sangue de Cristo que promete a todos deixar alvo como a neve, sentimo-la por esses dias de neopaganismo e de exercício pleno de hipocrisia em face desse Cristo, cujos ensinamentos são repetidos aos gritos em cada esquina, mas pouquíssimas vezes levados a termo na prática cotidiana. Basta vermos o comportamento das pessoas nesses tempos em que mais se fala nEle. A festa da natividade do Menino se transformou em momentos orgíacos de glutonarias e bebedices, desde o casebre ao palácio.

 

E muito mais se alarga e amplia no tempo em que um ano morre e nasce o outro. Esse rito de passagem não aponta para um renascimento de valores éticos e morais da sociedade ocidental e cristã. Aponta para um corpo social que agoniza. Mas, há uma luz no fim do túnel. É a certeza de que a esperança não morre.


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