O VELHO E O NOVO
Reginaldo Vasconcelos*
Sou antigo e retrógrado. Meu computador pessoal já é o décimo, desde o primeiro, mas ainda é de bancada – a tela, a CPU, o teclado e o mouse – acolitados ainda por câmara, microfone e caixas de som independentes. Sim, eu sei, já poderia ser um notebook, ou um laptop, dos quais não sei a diferença, em que só fica de fora, pelo menos por enquanto, o usuário. Mas não quero. Ainda prefiro o trabalho em equipe sob a minha liderança.
Bem, o celular, ou smartphone – quase mais smart do que eu – pode receber, transportar e despachar grande parte da cerebração que eu produzo ou me interessa coligir e conhecer, então não vejo por que levar o mundo todo debaixo do braço para qualquer lugar que seja. Acho melhor manter estacionário na minha mesa de trabalho esse altar votivo ao Universo Conhecido.
Sim. Esses três móveis digitais que exploro todo dia já estão pedindo aposentadoria há algum tempo, mas eu lhes vou clamando por paciência e os vou dotando de upgrades, para não perder as rotinas eletrônicas com as quais me habituei e já me são mais confortáveis, constantemente recorrendo ao profissional que me dá suporte técnico.
Todas as vezes em que troquei a máquina inteira lá vinham mil inovações às quais me reacostumar penosamente, botões aqui, botões acolá, como quem casa de novo e tem que enfrentar as idiossincrasias da nova criatura, assimilar as novas virtudes, mas tendo que suportar e perdoar os cacoetes diferentes.
Uma delas – das máquinas, não das mulheres – de repente perpetrou uma grave traição à minha pessoa, roubando-me na cara dura um livro inteiro, quase concluído, para lançá-lo no nada absoluto. Diria um sertanejo que ela amarrou o próprio HD interno no rabo de um veado catingueiro, no Raso da Catarina, e atirou para o alto. Nunca mais.
A peça travou com a minha obra literária, e eu ainda não tinha a expertise do backup, e não houve recurso na medicina cibernética que me a devolvesse. Isso é trágico, notadamente quando alguém nos procura consolar dizendo que “basta escrever novamente o mesmo livro”.
Essa solução ingênua corresponde a dizer a um pai que basta fazer outro filho para substituir um que se foi, ou aconselhar a viúva a superar a dor com um novo casamento. Que venha um outro rebento, e um novo marido, e um livro semelhante, mas jamais se recupera exatamente o que se tinha, se foi e se perdeu.
O meu computador atual já está naquela fase provecta de quase adivinhar o que desejo, e vice-versa, mas também com uma senectude semelhante à biológica, requerendo manobras especiais para funcionar corretamente – falha aqui e ali – irritante para quem ainda não experimente pessoalmente esses achaques e manias. Mas ele continua funcional como antes, e eu vou retardando manhosamente a sua substituição por um novo, mesmo acusado por alguns, muito justamente, de ser um radical conservador.
Reginaldo é daqueles cronistas que sabem como poucos prender o leitor a um bom texto e uma boa narrativa.
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