O QUE HÁ DE NOVO?
Reginaldo Vasconcelos*
O último ato da noite é desativar o celular – o telemóvel dos portugueses – enfim, o telefone portátil multifunções que do corpo do homem moderno se tornou parte integrante. Um outro aparelho, de número reservado aos íntimos, permanece de plantão para emergências.
What’s up? – pergunto eu, logo no começo do dia, ao universo dos meus principais afetos – no inglês contrato que inspira o nome do aplicativo eletrônico que aciono, e que aproxima multidões. “O que há de novo?” – dir-se-ia em português.
Em pouco tempo, e com nenhum esforço, tenho na palma da mão a cerebração dos meus amigos, algo do que pensaram nas últimas horas e me quiseram transmitir, e que, na mesma medida, lhes vou corresponder – uma mágica da ficção científica, até já imaginada, mas nunca antes jamais acreditada.
Pelo celular dou sinal de vida, marco encontro, saúdo quem muda de idade, lamento o passamento de outro alguém. Antecipo o assunto, e em pouco tempo somos vários – seja na missão profissional, seja na praia ou na piscina, ou no happy hour, talvez no evento noturno que marcamos.
Principalmente, logo após a aurora, ainda na padaria, ouço o chamado mavioso da paixão, de alguém que se soma aos passarinhos da manhã para me cobrar uma palavra, na única voz capaz de lhe resgatar o folego da saudade sufocante, para que lhe confirme a existência e traga para a realidade o sonho que Morfeu proporcionou.
Impensável até recentemente, mas agora também posso furar o fuso horário para contatar amigo antigo e distante que encontro do outro lado do oceano, às vezes estando ele no meio do frio cortante que tanto me agrada sentir, diante de um copo de vinho e de uma cuba de fondue, e cuja lembrança me apraz.
Contrario sensu, ele é que me revela de lá a sua inveja do clima tropical, feito de abacaxi, caju e manga – e sol brilhante, brisa marinha, água de coco, caipirinha de limão.
Agora é um filho que fala do seu quarto ao lado a dar “bom dia” – um pai ausente, um neto querido – alguém que invade a alma de repente para elidir a solidão, e para garantir que ainda vale a pena viver e lutar para glória do incógnito Ser Supremo que arquitetou e administra o Universo.
Esse aparelho magnífico de mil usos importantes, que há 50 anos imaginei existiria no futuro, encurta o tempo e o espaço entre as pessoas, fazendo disponível e cambiável o calor humano universal, combustível da existência, principalmente através do Whatsapp.
Talvez possa ele, quem sabe (?), em momento vindouro muito próximo, servir também ao exercício do voto popular simplificado e seguro para opinar sobre os futuros rumos da Nação – volto eu a delirar gostosamente.
A telinha poderá, em incorruptível aplicativo apropriado, conferir as personalíssimas papilas digitais de cada um, fazer o seu reconhecimento facial nos científicos padrões, ler as insofismáveis características de sua íris.
O microfone interno, por seu turno, poderá conferir a específica frequência do seu timbre de voz – enquanto o número do cadastro nacional atestará eletronicamente a sua existência, a sua identidade, a unicidade autêntica do sufrágio livre, secreto, pessoal.
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