domingo, 6 de agosto de 2023

CRÔNICA - Gol de Placa (RV)

 GOL DE PLACA
Reginaldo Vasconcelos*

 

Eu tenho um filho adotivo que é negro, liliputiano, gordinho... e ficou cego. Apesar disso adora a vida, e é o sujeito mais alegre deste mundo. 

Com essas características todas ele seria suscetível a pelo menos três dos pretensos delitos que a moderna hipersensibidade social vem instituindo: o capacitismo, a gordofobia e o racismo racial.  

Sim, porque inventaram também o racismo sexual, e ele, não sendo "mulher cis" nem "homem trans", é tão hétero quanto o pai – e tomara que um dia não sofra assédio moral por conta disso. 

Ele tem família afetuosa, tem amigos de escol, uma filha adotiva, profissão regulamentada, sentimento religioso profundo e uma fé inquebrantável de católico praticante. Enfim, um gigante pigmeu. 

E tem tido namoradas de todos os matizes, que ele vai conquistando entre moças videntes subnormais e não videntes, que se apaixonam pela sua luminosa inteligência de filósofo aplicado e consultor sentimental intuitivo, e ele recebe por isso amaviosas contrapartidas afetivas. 

Também é músico, percussionista e crooner do trio “Dois e Meio”, que ele compõe com instrumentistas de estatura regular, cuja trindade ele preenche inteiramente.

Ademais não tem vícios, além da paixão exagerada por seu time de futebol do coração, que o faz vibrar e vociferar de alegria toda vez que a turma do gramado cujas cores ele defende se dá bem.

Mas também o faz sofrer e silenciar quando o contrário acontece – e até quando o principal time rival local ganha uma partida de um terceiro, no campeonato nacional. 

Quando o pior acontece, eu o consolo lhe fazendo ver que a derrota de hoje faz parte da vitória de amanhã, pois um time que não perdesse nunca não teria torcedores. Alguém torceria para que o sol nascesse a cada manhã, e que a noite sobreviesse a cada tarde? 

Hoje ele ouviu na TV que uma menina instada durante a prova do colégio a indicar um símbolo da Cidade de Fortaleza apresentou o brasão do time homônimo, e por isso perdeu o ponto pretendido. 

Indignado, o meu torcedor familiar formava com o repórter que considerava injusta a professora, pois, segundo eles, aquele símbolo representava de fato a cidade de mesmo nome – e não foi fácil convencê-lo do contrário. 

Mas, enfim, consegui fazê-lo, ao demonstrar que a mera coincidência nominal não vigorava como resposta aproveitável nesse caso.

Do contrário, o time dele, que tem o nome da Cidade, pertenceria ao deplorado time adversário, que tem o nome do Estado  como aquela pertence a este último, do ponto de vista federativo e geográfico.

 

Com esse argumento fiz um gol de placa, mas não comemorei, porque afinal não me afeiçoo a time algum, mas só ao justo raciocínio do discípulo.


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