GOL DE PLACA
Reginaldo Vasconcelos*
Eu tenho um filho adotivo que é negro, liliputiano, gordinho... e ficou cego. Apesar disso adora a vida, e é o sujeito mais alegre deste mundo.
Com essas características todas ele seria suscetível a pelo menos três dos pretensos delitos que a moderna hipersensibidade social vem instituindo: o capacitismo, a gordofobia e o racismo racial.
Sim, porque inventaram também o racismo sexual, e ele, não sendo "mulher cis" nem "homem trans", é tão hétero quanto o pai – e tomara que um dia não sofra assédio moral por conta disso.
Ele tem família afetuosa, tem amigos de escol, uma filha adotiva, profissão regulamentada, sentimento religioso profundo e uma fé inquebrantável de católico praticante. Enfim, um gigante pigmeu.
E tem tido namoradas de todos os matizes, que ele vai conquistando entre moças videntes subnormais e não videntes, que se apaixonam pela sua luminosa inteligência de filósofo aplicado e consultor sentimental intuitivo, e ele recebe por isso amaviosas contrapartidas afetivas.
Também é músico, percussionista e crooner do trio “Dois e Meio”, que ele compõe com instrumentistas de estatura regular, cuja trindade ele preenche inteiramente.
Ademais
não tem vícios, além da paixão exagerada por seu time de futebol do coração,
que o faz vibrar e vociferar de alegria toda vez que a turma do gramado cujas
cores ele defende se dá bem.
Mas também o faz sofrer e silenciar quando o contrário acontece – e até quando o principal time rival local ganha uma partida de um terceiro, no campeonato nacional.
Quando o pior acontece, eu o consolo lhe fazendo ver que a derrota de hoje faz parte da vitória de amanhã, pois um time que não perdesse nunca não teria torcedores. Alguém torceria para que o sol nascesse a cada manhã, e que a noite sobreviesse a cada tarde?
Hoje ele ouviu na TV que uma menina instada durante a prova do colégio a indicar um símbolo da Cidade de Fortaleza apresentou o brasão do time homônimo, e por isso perdeu o ponto pretendido.
Indignado, o meu torcedor familiar formava com o repórter que considerava injusta a professora, pois, segundo eles, aquele símbolo representava de fato a cidade de mesmo nome – e não foi fácil convencê-lo do contrário.
Mas, enfim, consegui fazê-lo, ao demonstrar que a mera coincidência nominal não vigorava como resposta aproveitável nesse caso.
Do contrário, o time dele, que tem o nome da Cidade, pertenceria ao deplorado time adversário, que tem o nome do Estado – como aquela pertence a este último, do ponto de vista federativo e geográfico.
Com esse argumento fiz um gol de placa, mas não comemorei, porque afinal não me afeiçoo a time algum, mas só ao justo raciocínio do discípulo.
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