quinta-feira, 10 de agosto de 2023

ARTIGO - Nuciferacultura (VM)

NUCIFERACULTURA
Neologia Necessária
Vianney Mesquita* 

                                                      

 

Pouca necessidade de pensar praticam aqueles que nunca precisam de palavras novas.

 

Soneto Decassilábico Português
[Rima Encadeada]

BOM NEOLOGISMO

(V.M.)
 
De quando em vez um neo termo aflora,
Corrobora o potente Dicionário.
Permissionário, ao luso se incorpora
E aprimora seu vocabulário.
 
Não mercenário, de bom cepo explora,
Monitora o asserto consectário;
Corolário de origem, ele perora
Bem se alcandora ao usual glossário.
 
Mais que ordinário, eis por que se alça,
Os cânones da língua vê e calça,
Sem que, também, nossos linguistas poupe.
 
Mesmo que enroupe a missão que encalça,
Adorna o Português e o realça,
Ao ir, fagueiro, enriquecer o VOLP.

 

Experimento o lance de proferir os comentários deste artigo, com amparo na sentença epigrafada, de autoria de Arturo Graf, literato teuto-greco-italiano, procedente de alemães, nascido em Atenas e com registração de óbito em Turim (19.01.1848 – 31.05.1913). 

As anotações dizem respeito a um pequeno busílis, por mim topado, sempre que se me depara, a fim de revistar, algum escrito acerca da produção, comercialização, cultivo e movimentação agrícola – e econômica, principalmente – do coco-da-baía. 

Também, vez por outra, sou conduzido a revisar produções universitárias atinentes a outros componentes palmáceos alimentares, amanhados como produtos para circulação no mercado, classificados num só gênero, Coco - catolé, bocaiuva, macaúba, coco-espinho etc. – com exceção do primeiro, em particular, para natural sustento alimentar dos animais sem razão, pela ciência chamados de in anima vili, em contraposição aos de cariz in anima nobili, os seres racionais, que concertam a espécie humana. 

Não custa fazer referência – porquanto é ensejado – ao fato de que o babaçu, que no Nordeste do Brasil é tomado vulgarmente como “coco-babaçu”, não é parte do gênero Coco, mas pertence ao Orbygnia phalerata, constitutivo de bem econômico de regular monta no âmbito do comércio de produtos oriundos da atividade rural no País. 

Mencionados experimentos acadêmicos, cujos teores relatoriados são por mim transitados para revista, procedem de programas brasileiros de pós-graduação em Agricultura, stricto sensu (com exame extensivo aos outros setores da produção), por exemplo, da Universidade Federal de Viçosa - MG, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – ESALQ (USP-Piracicaba-SP), Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA-Mossoró-RN) e, nomeadamente, originários dos programas de Economia Rural, Mestrado e Doutorado,  da Universidade Federal do Ceará, Campus do Pici, aqui em Fortaleza, um dos melhores programas de pós-láurea em curso no Brasil e, com irrestrita certeza, em todo o Mundo. 

O embaraço reside exatamente em determinar um substantivo para bem retratar, nos relatos experimentais dos meus consulentes, a atividade agrícola-econômica representada pelo Coco nucifera – Linn. 1757, uma das dezenas de espécies, da família Arecaceae, inserta no gênero único de taxinomia do coco, o coco-da-baía, principal cultivar dessa classificação, estudado em nossas escolas sob o prisma científico, na conjunção dos vários ramos do disciplinamento parcialmente ordenado a envolverem seu exame. 

Este impedimento não sucede, exempli gratia, com a cultura do café, à qual, sem qualquer percalço de ordem gramatical, linguística e elocutória, se concedeu o crédito de cafeicultura, com o “i” do meio fazendo a ponte com os dois substantivos para formar o asserto composto, com o escopo de não retratar ideação diferente (café-cultura, estabelecimento onde se toma café e se cultivam temas em geral, café-livraria), bem assim – e, principalmente - com vistas a obedecer às regras de formação vocabular da língua portuguesa, cujo trato, por não ser agora propício, não há de vir à discussão, o que é passível de sobrevir noutra ocasião. 

A igual acontece em citricultura, relativamente a cítricos (gênero Citrus, família das rutáceas), plantação, cultura e exploração econômica, consoante ocorre com laranja e limão. E, assim, com sericicultura – criação do bicho-da-seda (Bombryx mory), beneficiamento, industrialização e comercialização da seda; olericultura – cultivo e acrescentamentos econômicos de legumes; mangiferacultura – plantação, acompanhamento dos cultivares de manga (Mangica indica); rizicultura ou orizicultura – cultura e economia do arroz (Oriza sativa); e tantas outras ações agroeconômicas de ofício dos três setores produtivos – primário, secundário e terciário, isto é, Agricultura, Indústria e Serviços. 

O problema não subsistiria, se a unidade ideativa coco não sugerisse, colada à sequente, a formação de nomes cacofônicos, ille est, a eventualidade de cacófato – indicativo de som feio, desagradável, discorde ou com sentido errado, advindo da articulação de dois termos juntos; e de unidade lexical obscena, grotesca ou descontextualizada, proveniente da sílaba final de uma dição à inicial de outra. Isto se dá em decurso de um seu homógrafo imperfeito, parônimo – cocô (de origem controversa) – representativo de excremento e, por extensão, algo de má qualidade. 

Desta sorte, convenhamos, são defesas, por absolutamente descabidas, as referências a cococultura (aqui como a sugestionar um exame parasitológico de material excrementício) e a cocoicultura, cujo “i” certa pessoa já sugeriu como ligação, propondo-se a reduzir o efeito da cacofonia, no entanto (a mim me parece), ideia desprovida de sucesso. No tentame de aportar a uma solução, outras insinuações vocabulares afloraram, entretanto, deseixadas de ideação lógica e revéis às normas de formação glossológica em português, conforme sucede em coquicultura e cocucultura – esta que me ressoa ainda mais desarrazoada. 

Louvado, com efeito, na configuração latina da denominação taxinômica efetivada pelo célebre e operoso naturalista sueco Carlos de Lineu (Carl Nilsson Linaeus), em 1757 – Coco nucifera – penso haver encontrado uma proposição verosímil (também verossível e verissímel), consistente em ajuntar, como primeiro elemento do hibridismo ora sugerido, o conjunto vocabular nucifera (+ cultura), com esteio nas razões aduzidas à continuidade.

Impende-me, então, elucidar, considerando, inauguralmente, o fato de que alguém aventou – e os lexicógrafos, inadvertidamente, aceitaram, introduzindo o verbete nas obras de referência – a expressão nucicultura, como representativa da intenção de “cultura de nozes”, todavia procedente apenas das diversas ocorrências de nogueira, como nos casos de nogueira-americana ou nogueira-pecã (Carya illynoensis), nogueira-brasileira ou nogueira-de-iguape (Aleurites mollucana), nogueira comum (Juglans regia), nogueira-da-austrália ou macadâmia (Macadamia ternifolia) et reliqua. 

Conquanto, sob o prisma da evolução histórica, nuci se reporte a nogueira, a inserção definitiva e oficial da terminologia nucicultura, especificamente para nogueira, nos dicionários, resulta, no mínimo, apressada, porquanto nuci, feita um antepositivo, do latim, alcança todo fruto com amêndoa, castanha, noz e outros, como o são a castanha-de-caju, fruto do cajueiro (Anacardium occidentale) – pegada ao pedicelo comestível (caju, que não é fruto), bem como todas as espécies do gênero Coco (único). 

De tal maneira, pelo fato de estar permanentemente sob registo lexicográfico, é interdito se empregar nucicultura, a não ser para o bem originário das diversas espécies dessas árvores produtoras de nozes – ficando de fora coco-da-baía, coco catolé (ou babão, quando não seco), macaúba, macaíba e quaisquer outras palmáceas.

A sugestão, por conseguinte, é a de se cunhar o neologismo NUCIFERACULTURA, objetivando descrever, para emprego nos escritos de matéria investigativa, a plantação, o cultivo e seus desdobres econômicos – evidentemente com os inerentes nexos sociais – uma vez que a neologia (por enquanto!) é bem constituída, de nuci – envolvendo todo fruto com noz – somada a fera, também latim, elemento pospositivo, representativo de “que traz”, “conduz” – isto é, feito de nozes. 

Malgrado em detrimento das demais espécies do gênero Coco, as quais praticamente não possuem representatividade econômica, sendo parcas, por tal pretexto, referências mais alentadas na literatura da Economia Agrícola, remansa, pois, como alvitre a conformação neológica NUCIFERACULTURA, para aplicação, nas Universidades e instituições de demanda científica, em textos de manifestação do saber parcialmente ordenado relativo a coco-da-baía (Coco nucifera). 

Minha expectativa é de que, dentro em poucos anos, os glossários das ciências ditas aziendais, ligadas ao ecúmeno rural, incorporem a sugestão, restando, também, a probabilidade de, em poucos decênios, ou mesmo antes, os dicionários oficiais do VOLP, circulantes nos nove países lusofônicos**, apropriarem a elocução, ao jeito como procederam com relação à unidade de ideia nucicultura, devidamente em si consignada em tempo relativamente curto.


*João Vianney Campos de Mesquita é Prof. Adjunto IV da Universidade Federal do Ceará. Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Literatura e Jornalismo e Arcádia Nova Palmaciana (fundador). Da Associação Brasileira de Imprensa e Associação Internacional de Jornalistas (Bruxelas-EU). Escritor e jornalista.

** Portugal, Guiné-Bissau, Angola, Cabo Verde, Brasil, Moçambique, Timor Leste, São Tomé e Príncipe e Guiné Equatorial.

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