PARA ONDE?
Pierre Nadie*
Hoje, acordei e não havia água na torneira. Faltava água para higiene matinal. Tive de contentar-me com uns escassos pingos que consegui, espremendo a torneira da pia.
Minhas plantinhas ficaram sedentas. E o café da manhã teve de esperar outras escassas gotas molharem, ao menos, o fundo do bule.
Lembrei-me, então, que o sindico havia anunciado, na véspera, a
limpeza de uma das caixas d’água, Eu não me havia dado conta e, por isso, não
acumulara gotas mais copiosas do precioso líquido.
Veio-me à mente um gulag ou Treblinka ou Sobibor. Auschwitz de Maximiliano Kolbe, de Edith Stein, de José Kowalski, de Stanislawa Leszczynska, de Maria Cecilia Autsch e milhões de outros.
Cá, rememorei fatos de minha infância: vi joões com latas d’água nos ombros e marias apanhando água no rio e levando ‘lata d’água na cabeça’. Potes cheios com água coada em panos, e, ao relento, banheiros feitos de ‘talo de coco’, preparados com uma lata d´água da ribeira, em cima de uma comprida tábua ou de uma larga pedra.
Lembranças que ainda dançam em paragens não tão distantes, providas de promessas, vazias de realizações. Mentiras com vestes roubadas da verdade nua.
A confiança gratuita, filha da ingenuidade, acossada por palavras devastadoras como uma tempestade e cruéis como um tsunami, teima em se perpetuar numa miséria sem fim. Acomoda-se a migalhas, acostuma-se ao não direito do direito que tem, amarga indignidade com sabor de dignidade, aplaude fauces que lhe devoram o sorriso inocente.
E a nave prossegue. Navios negreiros, Iates malditos, Escunas de sangue. Naves de loucos, Barcos de inocentes. Silêncio amordaçador, cortado pelo uivo virgem do vento.
Justiça, sem trabalho, injustiça. Partilha, sem esperança, defrauda. Esperança, sem oportunidade, desespera. Oportunidade, sem fé, esvai-se. Riqueza, sem produção, escasseia.
E a nave segue.
Para onde?
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