terça-feira, 17 de novembro de 2020

CRÔNICA - Ao Passo do Caracol (ES)

AO PASSO DO CARACOL

 Edmar Santos*

 

Cansei. Não quero mais ser o coelho do relógio da história. 

Pretendo me retirar da rotina desse bioma de deprimidos acelerados que se chama grande cidade; quero ser como o caracol. Vou andar, comer, ler, namorar... tudo ao passo do caracol. 

Sim, quero me arrastar, escorregar... não mais correr, andar apresado para os lugares que me levarão a lugar nenhum. Chega! Vou carregar minha casa, meu corpo, habitat de minha existência, para onde forem meus melhores e próprios pensamentos. Esse será o melhor sentido da vida que darei à existência de meus corpo e alma. Caracol carrega a casa dele nas costas, e o faz muito bem. Sossegado. 

Vou ler um livro moderno de duzentas páginas como se fosse um de quatrocentas, que quase não se editam mais. Ler pensando sobre... não ler para decorar uma frase e o nome do autor, e depois posar de intelectual no barzinho durante o happy hour. Esquecendo na ressaca tudo que se disse ali.  

Lento, quero ser lento, o que nada tem a ver com lerdeza ou preguiça, mas com posicionamento contemplativo diante do que está aí. Devagar, “devagarinho”. 

Não comerei mais em self-service porque logo buscam o prato, quase antes de eu haver terminado de comer. Quero ficar olhando para o prato vazio e lembrando dos sabores que eu apreciei. Fazer isso por alguns minutos, ainda que poucos. Nada mais deprimente, que sair palitando os dentes em direção à fila do caixa. 

Não beijarei mais minha mulher com “selinhos” rápidos ao chegar ou sair de casa; quero beijos de namoro: demorados, lentos, pegajosos, de língua toda. Beijo caracolado. 

Farei tudo o que tenho costume de fazer, e outras coisas que a lentidão me proporcionará; tudo não mais com a arrogância doentia da celeridade idiotizante e alienadora, mas com a experiência da contemplação. 

Se me tacharem pejorativamente de lesado e de lesma, achando que vou sofrer por conta de tal comparação com gastrópodes, estarão se enganando. Tal ato provavelmente partirá de um dos deprimidos apressados, sempre envoltos em retóricas idiotizadas e idiotizantes, que não se dão conta do mal que os assola. Esses geralmente entendem que falar na roda de colegas de profissão, que tomar ansiolítico com cerveja é ser moderno e empoderado. Eu hein!

 

“Yes, we can” ser como o caracol.


2 comentários:

  1. Isso mesmo. Tens todo meu apoio👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼

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  2. Que leitura mais agradável aos olhos hahahaha.
    Sejamos todos caracóis 👏🏿👏🏿👏🏿

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