terça-feira, 24 de novembro de 2020

ARTIGO - Consciência Negra (RV)

 CONSCIÊNCIA NEGRA
Reginaldo Vasconcelos*

  

Três povos foram convocados pela História para fundar uma nova nação” – esta é a minha leitura fenomênica para a diversidade brasileira. Claro que, como todo processo gestatório e puerperal, a formação de uma nova nação envolve dor e sofrimento, e o seu amadurecimento completo demanda esforço e paciência.

Os povos a princípio envolvidos no processo foram os ameríndios litorâneos, os celtiberos portugueses e várias etnias africanas – cada um deles dando o seu contributo, conforme o nível cultural e o “estado da arte” em que se encontrava no momento. 

Gervásio Leandro. Filho de um negro e de uma índia. 
Lutou na Itália na 2ª Grande Guerra. 
Tinha uma sequela no indicador,
 causada pelo gatilho do fuzil. 

Os nossos indígenas ainda viviam na Idade da Pedra; os portugueses eram uma monarquia frágil, de uma península pobre e sofrida da Europa, herdeiros da cultura greco-romana, com alguma tecnologia gráfica, agrícola, náutica, edilícia, industrial; e os africanos, donos de uma rica cultura empírica – na música, na dança, na mística, nas artes plásticas e na arte culinária. 

O período dessa fusão de povos superou 300 anos, transcorridos hoje um pouco mais de 130 janeiros que essa fase se encerrou, a partir do fim do escravismo e da Proclamação da República – de modo que ainda se vive a puberdade nacional.

Em virtude do desnível sociocultural que essas circunstâncias impuseram, por mais de três séculos, os descendentes dos nossos índios e os nossos afrodescendentes, hoje já bastante miscigenados entre si, e com algum caldeamento europeu, ainda preponderam nos estratos mais pobres e menos escolarizados da coletividade brasileira.

Porém, no presente estágio evolutivo a que ascendeu a humanidade, fazem-se oportunas e necessárias as mobilizações públicas e os esforços jurídicos no sentido da uniformização sociocultural e econômica de toda a nacionalidade, combatendo-se o preconceito racial e a discriminação social, de modo que cada um tenha as mesmas oportunidades de progredir, cultural e profissionalmente.

No Brasil, impende que isso seja feito de forma pacífica e ordeira, por meio de políticas públicas de ensino gratuito de qualidade nos três níveis, combate à pobreza, rigor jurídico contra o crime de racismo – aquele em que a pessoa tenta discriminar e prejudicar qualquer das etnias nacionais, no campo social ou profissional – e não somente injuriando um indivíduo pela cor de sua pele.

Injúria é injúria, moral ou material, contra pessoa de qualquer etnia, nascitura ou falecida (na sua modalidade reflexa), de modo que qualificar e agravar a injúria por motivo racial é privilegiar as formas gerais de ofensa grave. É hipersensibilizar uma categoria social por “coitadismo”, assumir o racismo reverso, oficializando o mito vitimário de que a negritude gere opróbrio – fazendo aprofundar antipatias e revoltas.

Thiena Leandro Vasconcelos, 
resgatando o orgulho da sua negritude genética.
A negritude não é defeito; ser negro não é vergonha – mas uma condição que deve orgulhar e enaltecer os brasileiros em geral, pois o País seria menor sem Machado de Assis e sem Pelé, sem Lima Barreto e sem Cartola, sem Cruz e Souza e sem Milton, sem Gil, sem Djavan – de uma lista imensa de negros notáveis e de anônimos brasileiros que são negros valorosos. 

O cativeiro de índios e negros, na nossa colonização, representa uma fatalidade histórica, a mesma tantas vezes sofrida por todos os povos do Planeta, ao longo do tempo, pois os conflitos bélicos sempre ocorreram, e era comum que os vencidos terminassem escravizados. Tanto que mesmo a Bíblia refere a escravos. Assim, todos os homens modernos descendemos de escravos, vividos em algum lugar e algum momento do passado.

Portanto, não faz sentido atribuir dívida pública a povos formadores da nacionalidade brasileira, pois os fatos históricos ocorrem dentro do contexto sociopolítico de sua época, de modo que não se podem atribuir culpas odiosas às subsequentes gerações.

Graça Leandro e o filho afetivo, Tuala Buiú.
Não fosse assim, japoneses ainda abominariam americanos pelos terríveis ataques a Hiroshima e Nagasaki, e judeus ainda deplorariam alemães pelos horrores tremendos do Holocausto. Tudo isso está socialmente elidido e moralmente superado pelo manto do passado.           

Mas o vezo brasileiro de “macaquear” os americanos do norte, procurando imitá-los em tudo, levou o nosso País, da monarquia constitucional que fomos – na época grande potência mundial, liderada por um Pedro II cientificista, cosmopolita e humanista – para a corrupta república de bananas em que se converteu, a princípio dita subdesenvolvida, hoje ainda “em desenvolvimento”.

Agora se tenta transferir para cá o apartheid violento que os EUA tiveram e que sofrem ainda hoje, marcado por uma guerra civil, por atritos mortais, por assassinatos frios, sendo totalmente despropositado fazer de contas que o mesmo acontece no Brasil, com estímulo de partidos de esquerda e de uma imprensa asinina, que quer ver sangue e se põe a estimular a luta de classes.

Ora, discriminação e preconceito se podem traduzir numa palavra – antipatia – e antipatia não se elimina com leis repressivas e antipáticas. Podem-se também entender os mesmos termos com um outro vocábulo – intolerância – e tolerância não se conquista impondo cotas corta-filas, sem critério de mérito, como a favorecer deficientes, que, ao fim e ao cabo, não o são. 

Isso levará ao “conceito” lógico de que profissionais pretos sejam menos competentes, presumidos cotistas nas faculdades e nos empregos exercidos, obtendo-se o efeito oposto ao inicialmente pretendido.

Filho afetivo e Neta Sofia.  
Chegaremos a um ponto em que pessoas de pele clara evitarão cidadãos negros, mudarão de calçada, reduzirão o diálogo, se esquivarão de vínculos – enquanto os marginais de pele escura se louvarão dessa condição para serem poupados de qualquer repressão à sua conduta criminosa, ante a presunção de que uma simples cara feia que recebam se possa converter em injuria racial. 

Presentemente, centenas de cidadãos brasileiros, brancos e não brancos, são vítimas fatais de violência urbana, notadamente os mais pobres e mais negros – sejam eles marginais, sejam eles policiais – mas a imprensa resolveu explorar um caso isolado para conturbar o momento eleitoral. 

É obvio que os seguranças da loja gaúcha do supermercado Carrefour foram inábeis na contenção do agressor, pois dois homens treinados podem imobilizar facilmente outro mais forte, se conhecerem as  técnicas marciais necessárias, reduzindo-lhe os movimentos e o conduzindo aonde quiserem, sem espancamento e esganadura, como se exemplifica na gravura explicativa.


Mas, daí a ter havido racismo, a ensejar quebra-quebras em protestos públicos, levando à desvalorização das ações da empresa vitimada, tem-se nisso culpa exclusiva da má imprensa brasileira, que se dedica a estimular dissensões populares e convulsões fratricidas no seio o povo brasileiro.

Pessoas das ilustrações: Família multirracial do autor.

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