O QUE É DEMOCRACIA
Rui Martinho Rodrigues*
A democracia tem sido descrita das mais diversas maneiras. Governo do
povo, adjetivada como direta; consentida pelo povo ou representativa; até o
Estado provedor é apresentado como a expressão material da democracia. Olivier
Nay (1968 – vivo), na obra “História das Ideias Políticas”, considera que as
origens atávicas da democracia estão situadas no momento em que os gregos substituíram
o uso da força pelo debate racional, adotando a maioria como árbitro das
decisões. Passaram a fazer reuniões, debater e votar para decidir.
Houve percalços. Tornou-se preciso, em certa época, multar os
faltosos. Até que os sofistas introduziram o relativismo escancarado. Então a
ideia da razão como fiadora das decisões feneceu. Aristóteles advertiu dizendo
que a forma decadente da democracia é a demagogia. O governo do povo, ou
democracia direta, falhou em todas as suas experiências históricas.
A democracia, entendida como "governo consentido", conforme John Locke
(1632 – 1704), hoje adjetivada como "representativa", alcançou alguns sucessos
duradouros e outros que ainda não homologados por Chronos. Imperfeições do
processo eleitoral, infidelidade dos representantes, faltam de
representatividade dos partidos, desigualdade de força dos grupos de pressão, técnicas
de desinformação de especialistas renomados e prestigiosos e inúmeras imperfeições
no âmbito eleitoral, no Legislativo, Executivo e Judiciário nos trazem à memória a frase de Winston Leonard Spencer-Churchill (1874 – 1965): "A democracia é a pior forma de governo, afora todas as outras".
A voracidade do tempo é implacável. A modernidade enfatizava a
busca da verdade objetiva, da impessoalidade, da isonomia e das
universalidades, chegando até a levar a Assembleia Constituinte francesa a
declarar, não o direito dos franceses, mas os direitos do homem. Esta
modernidade está claudicando. O que se aproxima ainda não tem nome. É nomeada
como pós-modernidade, o que vem depois da modernidade. Nega universalidades,
substitui a isonomia pelas especificidades dos grupos identitários e a verdade
objetiva pelo relativismo e, apesar disso tudo, se diz etapa mais avançada da
modernidade. Não confessa o relativismo que pratica. Diz defender a
perspectividade, como se fosse algo diverso do relativismo.
A complexidade dos problemas contemporâneos os torna
incompreensíveis até para os intelectuais. Poucos eleitores compreendem os
desafios de uma reforma tributária, administrativa, problemas ambientais,
sanitários e muitos outros. A participação e a concessão de outorga aos
representantes se faz às cegas, inclusive pelos “esclarecidos”. Os partidos já
não são capazes de cumprir a que se destinam. Outros riscos despontam no
horizonte. Criminalidade, terrorismo, corrupção e a degradação ambiental são
maximizados como pretexto para um neocolonialismo camuflado na pele de
governança mundial ou globalismo. Novas formas de controle e vigilância são
criadas e propostas. A violação de garantias individuais foi banalizada até
pelos mais altos tribunais.
Novas tecnologias permitem um grau de controle que supera a ficção
de George Orwell (Eric Arthur Blair, 1903 – 1950) “1984”. Diante de tantas
ameaças as preocupações democráticas devem se voltar para a preservação das
garantias individuais, tais como a inviolabilidade do domicílio, das
comunicações postais, telefônicas e telemáticas, para as formalidades
essenciais do devido processo legal, o direito à informação e a liberdade de
expressão. A iminência de catástrofes, em parte, é herança dos sofistas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário