NO CADAFALSO,
A MESA POSTA
Assis Martins*
Quem se priva da vida encontra em si próprio o algoz, e o
mata. (Alexandre
Dumas, filho).
O TAF (Teatro de Amadores de Fortaleza) sempre estava
em atividade o ano todo. Não faltava palco para exibições: Círculo Operário dos
Navegantes, Patronato de Antônio Bezerra, Teatro São Vicente em Parangaba, São
João do Tauape, Messejana, e, às vezes, em cidades vizinhas com a devida
anuência do padre local.
Os integrantes, quase todos veteranos, mantinham
grande fidelidade, agarrando os seus papéis ano após ano, principalmente na
Paixão de Cristo, peça em que todos faziam questão de atuar. O bonito nessa
época era o entusiasmo que dedicavam aos espetáculos.
Mesmo com sacrifício das suas atividades diárias,
ninguém negava a colaboração em montar cenários e gambiarras, ajeitar a
iluminação sempre em cima da hora, no maior corre-corre.
E foi numa dessas correrias que o Adauto, Judas bem
cotado no conceito teatral dos subúrbios, cometeu um pequeno deslize de
tragicômicas consequências. Aconteceu na encenação do Mártir do Gólgota, no Teatro São Vicente, com
lotação mais do que esgotada. Foi uma arrumação geral a manhã toda, pinta
daqui, puxa um fio dali e, na hora de começar o espetáculo, os bastidores do
pequeno palco eram uma confusão danada.
Numa pequena mesa, encostada na lateral, jaziam os
restos de um frango, porções de arroz e verduras repousando entre alguns
pratos. Pois foi nessa dita mesa que ficou enroscada a ponta da corda com que o
Judas Adauto iria se enforcar.
Vamos ao passo a passo: ele nessa noite estava
inspirado, e, entre efeitos de luz, relâmpagos e um som ensurdecedor, quando
disse a frase final – ...desce do báratro
profundo, e vem buscar minha alma, ó deus do inferno! – dependurando-se na
forca, a corda arrastou para o meio do palco alguns pratos e colheres.
O inusitado da cena assustou o público, mas ninguém
riu em respeito à seriedade do sacro drama.
Apenas se ouviu um comentário isolado:
– Esse cara é
doido, vai se suicidar logo depois do almoço, não tem medo de uma congestão!...
(Ilustração de Audifax Rios)
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