quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

CRÔNICA (RV)


TEMPUS REGIT ACTUM
Reginaldo Vasconcelos*


Era um militar de vocação sacerdotal. Reformou-se como general, e foi a vice-governador, a convite de um político civil que ascendeu ao governo do Estado. Sempre disciplinado, pontual, patriota, enquadrado, porém nada autoritário, único ponto em que dissentia do estereótipo castrense. Muito católico, postura moral sem o rigorismo dos carolas. O puro amor à família, à pátria, à Deus, com base na benevolência e no perdão.

O filho dele também foi militar, mas deixou a farda para exercer seus potenciais de engenheiro em outras áreas federais. E antes de ingressar na Marinha, ainda jovem, na década de 60, acompanhou o pai vice-governador em missão oficial ao Maranhão, Estado que então era governado por um jovem e vitorioso Sarney, que iniciava a sua dinastia política, após vencer e destronar naquele Estado a oligarquia anterior.

Pai e filho encontraram no governador, que os recebeu com fidalguia no Palácio dos Leões, um homem ainda na faixa dos 30, de belos traços e de modos refinados, em esmerado figurino, e, acima de tudo, muito bem instruído e ilustrado, já um intelectual prestigiado como tal, a par de um político de sucesso. Os dois visitantes ficaram bem impressionados, o filho comentando com o pai, profeticamente, que uma pessoa tão bem qualificada deveria vir um dia a servir ao Brasil na Presidência da República.

E o filho ocupava cargo de diretoria numa repartição pública federal quando José Sarney, em 1985, chegou ao Palácio do Planalto, por uma esquina do destino, após a morte repentina do já eleito Tancredo Neves, de quem figurava como vice. Consequentemente, na sala em que aquele trabalhava, bem atrás de sua cadeira, passou a ser exibido o maranhense no clássico retrato oficial do Presidente da República, com a faixa verde-amarela trespassada sobre o peito.

Ele então se lembrou da bela fotografia em que houvera posado com seu pai e José Sarney no Maranhão, 20 anos antes, e quis reproduzi-la sobre o seu birô, em um bom porta-retrato, para que todos notassem que o prestígio do diretor da entidade superava os limites políticos do seu Estado e chegava aos palácios de Brasília, vaidade natural que ocorreria a qualquer um – além da legítima intenção de demonstrar apoio ao dignitário máxima de República, o qual, naquele momento, era adorado pelo povo com o seu mirabolante “Plano Cruzado”, que pretensamente debelaria a inflação.

Para tanto o filho telefonou ao pai perguntando pela foto, que este não sabia mais onde estava, mas se prontificou a procurar. Dias depois, insistiu pessoalmente com o seu genitor cobrando a encomenda que fizera, sendo informado de que o General não obtivera êxito na busca que levara a cabo em seus arquivos de imagens do seu tempo de governo. Mas que iria consultar a uma filha a quem incumbira de organizar essas memórias. E o tempo correu sem resultados.

Um dia o General telefonou exultante ao filho para lhe comunicar que finalmente aquela fotografia em que ambos apareciam com o então Governador do Maranhão fora encontrada. Tarde demais. Certamente fora a bondade de Deus que a escondera, e fora por castigo à soberba que Ele a fizera aparecer naquela hora, pois o Plano Cruzado já malograra inteiramente, e o Presidente José Sarney naquela ocasião amargava agudo desprestígio e antipatia nacionais. Amem!




*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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