sábado, 7 de abril de 2012

SOBRE O BIG BROTHER BRASIL


O que a sociedade brasileira está discutindo, a propósito do programa Big Brother Brasil, é a moralidade dela mesma. Nós, e de certa forma o ocidente todo, nos tornamos uma sociedade amoral e hedonista. A dansinha da garrafa, por exemplo, há alguns anos, era estimulada por certos pais, que se divertiam vendo filhas, ainda criança, praticando a coreografia sensual. As drogas alucinógenas, por outro lado, reinam em todo o ocidente.

A explicação desse fenômeno é muito simples: o rescaldo de três guerras mundiais, duas quentes e uma fria, inflou a propaganda, dos dois lados, sob a bandeira da libertação, da ampla liberdade, ao longo do século XX. Em consequência, tornamo-nos uma sociedade hedonista e sem moral, na qual “é proibido proibir". Ou seja, o avanço da democracia levou à vulgarização e ao alargamento do conceito. Nesse processo, qualquer “autoridade” foi confundida com “autoritarismo”.

A psicologia e a pedagogia, formas de conhecimento extremamente inexatos e nebulosos, prenhes de ideologia, difundiram a ideia ridiculamente falsa segundo a qual o diálogo é a única e infalível forma de resolver todos os problemas enfrentados por educadores. Isso afastaria toda e qualquer forma de disciplinamento, agora estigmatizado como "violência", "desrespeito", ou ação "deformadora e traumatizante do educando".

Pais, clérigos e professores, ansiosos por mostrarem-se modernos e esclarecidos (de fato seriam "pós-modernos"), movidos pelo comodismo, uma vez que enfrentar rebeldia de filho é desgastante e trabalhoso, aderiram sofregamente aos modismos do "politicamente correto". A par disso, os aludidos educadores cometeram suicídio moral, adotando condutas que fariam corar até o "frade de pedra" da serra de Uruburetema.

Desmoralizados ou neutralizados os tradicionais gestores da moral, a onda pós-moderna entregou a missão de educar aos artistas, intelectuais e ativistas políticos, que se empenham em demolir todas as referências morais. Alegam que tais referências "neurotizam", contrariam a "natureza humana", não encontram fundamento em "verdades científicas", invocando ainda o "relativismo" ético e gnosiológico.

Assim, o teocentrismo foi substituído pelo antropocentrismo, para uns; para outros, pelo cosmocentrismo (a matéria cósmica, com supostas "leis naturais", no centro de tudo). Ora, quando o homem "é a medida de todas as coisas", nos termos da filosofia sofista, temos o fim dos limites pedagógicos.

Historicamente, isso não deu certo na civilização grega, nem na romana. Artistas e intelectuais, que nunca em tempo algum foram cultores dos bons costumes, agora como arautos da “nova moral”, não podem criticar o BBB – salvo quando tenham interesse político em implantar o controle dos meios de comunicação, nos termos da "vontade de potência" denunciado por Nietzsche. Então, o que temos de fato é um projeto de ditadura dos "politicamente corretos".

Esses adeptos do relativismo frouxo, tanto no campo moral quanto epistemológico (teoria do conhecimento), não podem reclamar do BBB, como de resto, não podem reclamar de nada. Para eles, não seria o homem a "medida de todas as coisas", consagrando a arbitrariedade e a irresponsabilidade?

Os novos gestores da moral não sabem como conciliar o relativismo radical com a afirmação das suas próprias verdades. Quando nenhum conhecimento merece crédito, quando nenhum valor moral tem valor em si mesmo, o relativismo moral e cognitivo também perde o status de verdade, já que tal não existe. Os alegados efeitos deletérios das medidas disciplinadoras, "produzindo neuroses e traumas", também são afirmações mortas pela doença do relativismo radical.

A alegação é de que a educação contraria a natureza, já que estaria em franca contradição com as "pulsões de vida", a que Freud referiu. Isso, porém, não seria relativo? Quando se diz que certas condutas havidas como imorais pela moral tradicional contrariam a natureza, não mais ouviremos que o homem não pertence à natureza? Que não existe "natureza humana"? Que o homem é inteiramente "construído" historicamente?

O que se conclui é que quem está corrompida é a sociedade, não apenas a TV. Médicos fazem intervenções desnecessárias, advogados chafurdam na lama do crime, juntamente com policiais e demais agentes da lei; clérigos se envolvem em crimes sexuais; estudantes praticam corrupção no seio dos seus movimentos políticos e fraude nos trabalhos escolares.

A expansão do conceito de "bem público" ou do "interesse público", submetendo-nos todos ao controle do Leviatã (Estado hipertrofiado), não será a solução. Os agentes do Estado também estão corrompidos. Veja-se o caso das drogas alucinógenas: a repressão é inteiramente falha, apesar do comércio de drogas, como qualquer outro comércio, ser necessariamente público, do conhecimento de todos. O nome disso é "corrupção generalizada".

Esses "novos gestores da moral", não obstante se declarem relativistas, defendem violentamente dogmas pétreos, em nome dos quais querem regulamentar as relações entre pais e filhos, com a famigerada "lei da palmada"; querem controlar o que nós comemos, proibindo o consumo de frituras; querem nos proibir de ter meios de defesa, alegando que armas são perigosas para quem as tem (isso não é relativo?), declarando-nos incapazes de tomar decisões, de exercermos a guarda de armas e de utilizá-las criteriosamente.

Dizem-se "politicamente corretos", mas estão muito longe da coerência. Talvez se pautem pela frase atribuída ao Assis Chateaubriand, segunda a qual "a coerência é um atributo dos imbecis". E nos levam a recitar esta outra sentença, do meu homônimo Rui Barbosa: "De tanto ver triunfarem as nulidades (...) o homem sente vergonha de ser honesto" (e de ser coerente). De minha parte, ando me sentindo um imbecil.


Por Rui Martinho Rodrigues 

Um comentário:

  1. Lúcido, objetivo e oportuno esse comentário do professor Rui Martinho sobre o BBB e o momento atual da moral e educação ocidentais. Aplausos!!

    Altino Farias

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