quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Observação Literária e Linguística – Prof. Sousa Nunes

 VERBO DESTRUTOR
[Soneto de Vianney Mesquita]

SOUSA NUNES* 

                                                    

A palavra doce multiplica os amigos, ao passo que mitiga os inimigos; e a língua    discreta no homem bom produz abundantes frutos. [BÍBLIA, Eclesiástico, 6-5]. 



Em linguagem clássica e sem nenhuma concessão ao brilho fácil do jogo verbal, a par de uma admirável erudição, Vianney Mesquita oferta-nos um soneto maciçamente bom, atual e indispensável.

Desse seu belo poema é fácil inferir não apenas noções de poder, conflito e destruição, mas sobretudo valiosas reflexões sobre linguagem, moralidade, mudança social e redenção, apesar da aparentemente irremissível condição em que se encontra o ser humano. 

Há nos versos de Vianney Mesquita propriedade linguística, equilíbrio formal e uso exemplar dos recursos literários desencadeadores da emoção estética. O exímio sonetista articula uma tensão entre forças destrutivas e construtivas, simbolizadas pelo uso intensivo de verbos que expressam ação e consequência. Valendo-se de formas variantes pouco empregadas, porém corretíssimas, de verbos e outras categorias lexicais, como “expludo” e “opresso”, o autor encena um conflito interno ou uma luta contra forças externas, enquanto revela a destruição decorrente das relações de poder e seus efeitos nefastos sobre pessoas e coletividades.            

Do mesmo modo que alterna formatos usuais com eruditos, Vianney Mesquita trata, nos versos finais do soneto, da premência do reconstruir, focando os valores morais e a redenção, à luz de uma genuína ética cristã, sem olvidar severa advertência: “Se, a destempo, tu não reconstruis” / “Supresso estás da equipa de Jesus”. Aqui, a linguagem não só transmite um julgamento moral, mas também evoca uma estrutura de crença específica que valoriza a reconstrução e a reparação. A referência à Mãe Natura e à luz humana sugere uma valorização da Natureza e da Vida, em contraste com as ações destrutivas (“entupes, fero, e não constróis”) que ameaçam essa ordem natural e social. 

Pondo em relevo vocábulos de pouco uso ou condenados por incautos e indoutos, revela-nos Vianney Mesquita a riqueza da nossa Língua Portuguesa e denuncia a reinante pobreza vocabular, a avultar até mesmo nos meios universitários, infausta consequência de um país em que se lê tão pouco. 

Desse modo, VERBO DESTRUTOR é passível de ser visto como uma oportuna ponderação sobre a Natureza Humana, a responsabilidade e as consequências de nossas ações, além de um exercício reflexivo de metalinguagem, porquanto, sendo o homem apenas metade de si mesmo, a outra banda é a sua linguagem, espaço no qual se desenrolam e traduzem o drama e a redenção humana. 

Merece-nos, por fim, destaque a locução interjectiva “eia sus!” usada como elemento catalisador de mudança, ponto de inflexão a sublinhar tanto a capacidade do homem de superar a inércia ou o desespero, quanto sua vontade de agir para alterar o curso dos eventos. Conquanto revele a tendência humana à destruição, é para a redenção desse homem que um dia fomos ou ainda somos que o Poeta esmera o seu verbo, em um apelo dramático, encorajando uma passagem do derrame para a construção, do desalento para a esperança. 

Doutíssimo mestre Vianney Mesquita, meus parabéns!


COMENTÁRIO


A percuciente crítica de Sousa Nunes, à altura da erudição e da estesia do soneto vianneyano, revela quão acertada agiu a Academia Cearense da Língua Portuguesa, sob a Presidência do Prof. Marcelo Braga, em abrigar em seu quadro de associados efetivos o nobre confrade e queridíssimo ex-aluno. 


MYRSON MELO LIMA.

 

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