REUNIÃO VIRTUAL DA ACLJ
(20/23.09.2021)
O canelau
Paulo Ximenes*
No meu Ceará a gente encontra uma gama de chistes e expressões que não se vê noutras regiões do país e que compõe um palavreado jamais catalogado pelos digníssimos senhores lexicógrafos.
Esses vocábulos genuínos, às vezes peculiares de uma dada região, por não
fazerem frente ao fervilhar da globalização dos costumes nem ao passar do
tempo, caem no desuso e no esquecimento dos cearenses mais novos. Alguns deles
sobrevivem apenas no lembrar dos mais velhos, ou nas páginas de livros
saudosistas, o que é quase o caso destas Anotações de um ex-sócio do
Náutico.
Perguntem a um moço de hoje (de qualquer recanto de Fortaleza) o que é um canelau e ele sacudirá a cabeça alheado feito um turista. Mas eu bem sei o que isso significava. Entretanto a acepção que faço deste termo, toma por base apenas o que vi e vivi no final dos anos 50, e, portanto, tem cunho interpretativo e se assenta no patamar de um juízo inacabado.
Dicionarista, eu não sou. Não vou bater o martelo sobre o assunto. Nem posso acertar que o verbete tenha se originado da palavra “canela” aludindo ao fato de que os moleques da época viviam metidos em calções curtos, com as canelas à mostra. Se o meu testemunho vier a granjear alguma valia, isso vai por conta da minha memória que avigora fatos envelhecidos.
O termo Canelau, como me foi dado a conhecer, parecia-me ser um coletivo do vocábulo “moleque”, aqueles pirralhos saltitantes da periferia da capital, oriundos das mais modestas camadas sociais. Eram seres diferentes. Impunham-se ágeis, longilíneos, esbeltos, distantes da robustez preguiçosa dos meninos das famílias mais abastadas. Comunicavam entre si através de longos silvos agudos produzido pelo ar comprimido entre os lábios e auxiliados pela intromissão na boca dos dedos indicadores e mínimos – audíveis a pelo menos cem metros de distância! Pareciam felizes e donos do mundo.
Não conheciam regras, nem limites. Riam até das próprias sombras. Andavam em bandos, numa algazarra medonha, nus da cintura para cima, barulhentos, e, apesar de descalços, corriam como as avestruzes sobre o calçamento de pedras toscas – coisa que os meninos “amaciados” não conseguiam fazer de maneira alguma. Eram vadios da rua, inocentes e desocupados. Não me parecia que frequentassem as escolas.
O que realmente me marcou – e aí entram em cena as objetivas das minhas recordações – é que eles venciam os muros das casas alheias, com a agilidade dos felinos, geralmente para se apropriar das goiabas, e, dependendo das circunstâncias, dos brinquedos que estivessem largados ao relento: peões sonoros, revólveres de brinquedo, aviõezinhos de plástico, soldadinhos de chumbo, e, principalmente, pipas com seus gordos novelos de linha.
O chamariz era um pé de goiaba. Malditos pés de goiaba! Muitas donas de casa mandavam cortar suas goiabeiras pelo tronco “por causa do canelau”. Quantas vezes eu não ouvi essa queixa!
No bairro do Meireles, onde se erguia minha morada pelo final dos anos 50, e onde a Carlos Vasconcelos esbarrava no mar, havia próximo a ela um terreno baldio, cercado por muros em ruínas que logo favoreceu a construção de casas irregulares. Nelas se estabeleceram famílias com seus guris saltitantes.
Do portão da minha casa eu os via de perto, arengueiros e amantes inveterados das boas caçoadas. Uma vez, por conta de uma chacota à toa, e, também, não posso negar, por conta da minha baixa tolerância em acatar insolências, troquei tabefes com um deles no meio da rua, embate em que não fui bem-sucedido: acertava um e acolhia dois! Contava eu nove anos e o outro pirralho só Deus sabe.
Foi justamente a tal vizinhança peralta e as constantes carreiras que eu levava daquela molecada que me impuseram ao juízo, num delírio conceptivo, que a palavra canelau servisse para designar “uma coisa ruim”, que no dizer do finado Braz Cubas, enfada o mundo com a sua mediocridade.
Ah! rompedores de muros, salteadores de goiabas e defensores da
liberdade! Hoje os vejo com graça... Que saudade eu tenho de vocês!
SEGUNDA SESSÃO
Nove acadêmicos e dois convidados especiais compareceram à segunda sessão da reunião. O Jornalista e Advogado Reginaldo Vasconcelos, o Bacharel em Direito e Especialista em Comércio Exterior Stênio Pimentel (Estado do Rio). Também o Juiz de Direito e Professor Aluísio Gurgel do Amaral Júnior, o Médico, Teólogo e Latinista Pedro Bezerra de Araújo, o Advogado e Sionista Adriano Vasconcelos, o Poeta, Jornalista, Advogado, Professor, imortal da Academia Cearense de Letras e Cônsul da Romênia em Fortaleza Luciano Maia, o Agrônomo e Pesquisador Luiz de Morais Rego Filho (Rio das Ostras - RJ), o Marchand Sávio Queiroz Costa, o Físico e Professor Wagner Coelho e os convidados especiais Betoven Rodrigues de Oliveira, Advogado, e o Engenheiro Naval romeno Nocolai Vasily.
Por fim, Reginaldo Vasconcelos disse poema seu, intitulado "Pobre de Mim", que faz citação ao Poema em Linha Reta de Fernando Pessoa.
POBRE DE MIM
Reginaldo
Vasconcelos
Pobre de mim,
Que já surpreendo os traços avitos no meu rosto.
Como as minhas, a exata e querida mão do meu saudoso avô paterno,
aquelas falangetas que o alcatrão do tabaco já tingira de ouro velho, na
lembrança indelével que eu interno.
Feliz de mim,
Que tenho vivido com galhardia tantos anos,
Que não fugi dos desafios sinuosos que o mundo propôs,
Que tenho triunfado ufano das grandes tentações da improbidade, da
sereia da ilicitude, dos mais sórdidos complôs.
Pobre de mim,
Que tenho perdido amigos a mancheias para a morte, e que não tenho
solidariamente morrido, e que não busquei a fortuna financeira a qualquer
preço e com afinco, tantas vezes me arriscando a vir a comer com os cães
no chão e a dormir com os gatos sobre o zinco.
Feliz de mim,
Que não tenho que fazer coro com o poema de Pessoa, e que me
inscrevo entre os “príncipes” de que o poeta faz escárnio, porque não tenho
devido sem pagar, nem me deixado trair, e que os socos recebidos tenho todos
revidado, ao belo e ao feio, ao pobre e ao rico, ao califa ou ao grão-vizir.
Pobre de mim,
Que não tenho podido entender todos os homens que encontrei,
Que não me foi dado socorrer todas as almas que bordejaram a minha
sorte, amar todas as filhas de Zeus, produzir o poema perfeito, salvar a pátria
amada dos iníquos filhos seus.
Pobre de mim.
A reunião virtual da ACLJ realizada nestas segunda e quinta-feiras foi dedicada ao empresário fortalezense Beto Studart, Membro Benemérito da ACLJ, que acaba de ser agraciado com um importante premio internacional, pela qualidade do seu empreendimento imobiliário, de ousada concepção arquitetônica, o BS Design, situado no Bairro Aldeota, em Fortaleza.
Essa é uma mensagem enviada para o mundo, que coloca o BS Design como verdadeiro ícone global e efetivo entre todos aqueles empreendimentos que se certificaram com o LEED Gold no mundo, o que representa uma honra enorme para o Ceará e para o Brasil!
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