quinta-feira, 16 de setembro de 2021

ARTIGO - O Uso dos Conceitos (RMR)



 O USO DOS CONCEITOS
Rui Martinho Rodrigues*

  

Palavras se relacionam com o pensamento, de modo comparável aos tijolos com a alvenaria. Michel Foucault (1926 – 1984), em “As Palavras e as Coisas”, destacou o poder ínsito na linguagem. O debate sobre o Brasil colonial ter sido feudal ou capitalista tem relação com o que Luís de Gusmão denomina como fetichismo do conceito, em obra assim intitulada.

Trata-se de um apego aos modelos conceituais, submetendo a percepção da realidade ao conhecimento teórico. O Brasil colonial produzia pau-brasil, açúcar, ouro, para o mercado, visando o lucro. Capitalismo? As capitanias hereditárias tinham grande semelhança com os feudos. O Brasil era feudal? O escravismo colonial fielmente descrito Jacob Gorender (1923 – 2013), na obra “O Escravismo Colonial”, era algo diverso do escravismo da Antiguidade Clássica. 

Teria obrigatoriamente que ser capitalista ou feudal? Isso lembra o caso do ornitorrinco de Bornéu, animal com características de ovíparos e de mamíferos. O pesquisador que descobriu esta espécie foi repreendido pelos estudiosos da matéria, que diziam não ser possível haver um animal assim, pois não havia tal categoria na taxionomia. O fetichismo do conceito pode eclipsar a percepção da realidade. 

Jacob Gorender rompeu com o mencionado fetichismo. Formulou o conceito que usou como título da obra citada, algo original. Raimundo Faoro (1925 – 2003), em “Os Donos do Poder”, adotou o patrimonialismo para descrever a ordem colonial brasileira. 

Capitalismo de Estado, por exemplo, é um conceito que mais confunde do que esclarece. É uma ordem em que o trabalho é assalariado e produz para o mercado e pode valer-se de capital privado, como na China. Mas o planejamento central submete empresas e a nomenklatura, descrita por Milovan Djilas (1911 – 1995) em “A Nova Classe”, formada por agentes do Estado, não cabe no capitalismo. 

Martin Krielle (1931 – vivo) pondera: "Sociedade capitalista, equivocadamente supõe que a infraestrutura econômica determina tudo na sociedade, logo capitalista é a economia não a sociedade". Esta é a ordem espontânea descrita por Friedrich Auguste von Hayek.

Nenhum comentário:

Postar um comentário