Escrevi uma crônica, há algum tempo, tratando da tristeza “crônica” que nossa imensa Rachel de Queiroz sempre acusou. Viva, personagem histórica, passado glorioso, reconhecimento público absoluto, mas, não obstante tudo isso, sempre a dizer que morrer tanto faz, que não se incomodava se morresse. Dentre outras tantas expressões de modéstia e desapego, Rachel fez pouco do seu romance de estréia, O Quinze, que de tão parco volume, não teria competência para ficar “em pé” sobre uma mesa. Seria para ela apenas um livrinho que escreveu e que a “persegue” desde então.
Elvis morreu, morreu Hitler lá pela Europa, Lampião aqui pelo sertão – talvez não exatamente quando e como se acredita. Inobstante tenha sempre havido alguma discórdia sobre isso, morreram sim. Consta que Jesus ressuscitou e subiu aos Céus, mas morreu na Cruz; quanto a isso não há dúvida alguma.
Agora me dizem que morreu Rachel de Queiroz. Não sei. Não vi. Não quero acreditar. Ficarei como os suspicazes inimigos de Hitler, como os inconformados fãs de Elvis Presley, como os crentes que confirmam as escrituras, em que Jesus embora morto enviveceu. Para reforçar minha dúvida, vou percorrer os cemitérios cearenses, em Fortaleza, no Quixadá, onde certamente haveria alguma lápide com seu nome, fosse verídica a informação.
E para desafiar a minha crença, vou ao Junco, à Não Me Deixes, verificar se Rachel não estaria por lá homiziada, fugindo da celebridade que sempre a incomodou. Perguntarei aos caboclos se não a terão visto nestes dias; observarei se ela não terá colhido flores, esta semana, nos canteiros da fazenda; examinarei se as cinzas do seu fogão a lenha não estariam ainda fumegantes. E ficarei muito aborrecido com ela se todas as evidências de que esteja viva se frustrarem.
Disseram que acordou na madrugada, chamou pela mãe e pelo pai, em doce delírio, e que de manhã havia seguido com eles. Se foi assim, bem-aventurada partida, chave de ouro para uma vida de venturas. De todo modo, não era esse o combinado: nós a queríamos imortal. Sempre rebelde, ela teria decidido que, mesmo imortal, não era imorrível. Não sei. Eu prefiro a dúvida.
Em 05.11.2003
Do livro O Passado Não Passa – Crônicas
Reginaldo Vasconcelos
Reginaldo Vasconcelos
2005
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