NOSTALGIA
(Lembranças de Antônio
Girão Barroso
Vianney Mesquita*
Tu és do Eterno um suspiro, Que enche o espaço de harmonia. (Gonçalves de Magalhães)
Em ultrapasse a uma obra literária e poética que, apesar de qualificada, não era copiosa, Girão Barroso nos deixou o exemplo, a bonomia, eterna juventude.
Foi homem que pairou acima do bem e do mal. Não via malicia no mundo (“Fortaleza está grávida de mim...” E dizia, também, com Brasília), neste orbe liberto e libertino. Por isso mesmo, era ingênuo, não alcançava aquelas traquinadas lícitas, os jogos de cintura peculiares ao moderno.
Antônio Girão Barroso, na maioria das ocasiões, não entendia o sabor dos feitos e ditos picantes, porquanto disso não cuidava nem havia de usar.
Uma pessoa feita A.G.B. deixou sua herdade a muitos amigos,
produzido que foi em série especial. Inimigos dele... nem de longe se há-de
cogitar...
O “Toinho, meu irmão” (“Eu te proponho, na madrugada...”), meu colega docente da UFC e da TV Ceará – Canal 5, será, para todo o sempre, desses espectros indeléveis, em especial para seus admiradores mais próximos, como este cronista, que jamais o apagarei do pensamento e, em tempo nenhum, olvidarei sua visão clara, nítida e diáfana, a qual não ficará sequer baça pelo Chrónos fugidio, tal o seu vigor moral, tamanho o exemplo, enorme seu estro.
Acerca dele, tive o lance de escrever, no Prefácio de Dois Tempos (com Inácio de Almeida, Fortaleza: Editora Henriqueta Galeno, 1980), os excertos reproduzidos à continuação.
Antônio Girão Barroso, poeta de incontestáveis dotes, desde as Poesias Reunidas, ainda inéditas, adentra a hibernação escritória em razão dos seus múltiplos quefazeres de magistério, jornalismo e chefe de família, mesmo que não tenha desidiado da obrigação de produtor de letras.
No lapso de 1950 a 1981, o coautor de Os Hóspedes (com Aluísio Medeiros) não descurou da leitura diária de escritores antigos e modernos, tampouco de observar a Natura fluente, o que lhe afiança a perpetuidade do seu esmerado alento crítico.
Todos o sabem – mas o óbvio às vezes se absconde – Girão nunca demandou pela glória, jamais aspirou ao poder, muito em particular por via do metro e da língua-prosa. Talvez por isso tenha produzido pouco, conquanto suas realizações literárias lhe atestem a grandeza. Decerto, a perseguição dos demais objetivos comuns às pessoas o deixou à deriva do creiom no caminho da lousa da sobrevivência.
Outros, de convenções menos rígidas com o caráter, servem-se de justificar os fins pelos meios, atrelando-se à charrete das letras e comportando-se como açafatas dos mecenas modernos, à caça de um lugar que não é seu.
Dito desdouro não cabe a A.G.B. , que sempre repeliu a fama e o poder fáceis, não pela aparente humildade do seu gênio dócil, porém pela solidez de propósitos que, do berço, lhe presidiu. Por tal pretexto, prosseguiu continente e parcimonioso com a exterirização do valor latente de artista.
Eis que, pelas reiteradas instâncias das suas amizades comuns, caiu a sequóia: o Poeta cedeu. E aceitou editar, com a parceria de Inácio de Almeida, esses Dois Tempos, em que fotografaram diversas facetas da vida bebidas do cotidiano.
No Primeiro Tempo, A.G.B. não é somente o poeta concretista nem o cronista fecundo. Tampouco sobra apenas como crítico ou criador de historietas. Nega exclusividade ao conto e poda a pretensão privativa da ficção. Tal como o jorgeano Robert Louis Stevenson (1850-1894), o altor de Antônio Girão Barroso foi o ecletismo, numa mostra em vernissage da expressão de suas emoções variadas, ensaiando alguns gêneros. Convenhamos, todavia, ele não é, feito o Autor da Ilha do Tesouro, unicamente, um ensaiador de todos os gêneros, pois mais um poeta. Desses de alma, embora sua simbologia não chegue a todos os paladares...
No Primeiro Tempo, o Poeta se fez quase bissexto e enveredou pelas outras castas literárias, reunindo, não seus principais trabalhos ao bom sabor da crítica, mas os que, no seu entendimento, mais dizem com o imo do Escritor; aquele que privou da amizade de Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Márcio Catunda – este na juvenília literocientífica dos Oitenta - e outras dominações da atividade das letras patriais pós fevereiro de 1922, sem, no entanto, jamais lhes seguir o estilo, embora com eles tenha caminhado em expressão e magnanimidade.
As crônicas, contos, puras-ficções, historietas, críticas e alegorias constantes do Primeiro Tempo demonstram, suficientemente, o pulso literário do rapsodo de Novos Poemas. E, para que o notório não se encubra, Antônio Girão Barroso é escritor a mancheias e sua metade, na obra sob comento, é tarefa de mérito indescartável, porquanto apreciável no formato quanto na essência.
A comissura entre esses dois half-times literários, de urdiduras tão diversas quando à índole e o gênero, não se há-de fundir e desaparecer, é bem verdade. Notável é a preocupação de ambos com as coisas e a Humanidade, embora não tenham seus textos, deliberadamente, propósitos éticos.
Remansa concludente nos parceiros o cuidado com o Homem e a
Natureza, os anima nobili e os anima vili, com a preservação dos bens naturais
e o risco que representa o artificial. Suas simbologias são totalmente
variegadas, no entanto seus alvos estão umbilicalmente conexos e intentam
chegar ao humano nos seus melhores desígnios.
“Eu te proponho...!” e “Fortaleza está grávida de mim...”
*Publicado em MESQUITA, Vianney. Resgate de Ideias. Fortaleza: UFC
– Casa de José de Alencar, 1996. (Com ligeiras modificações)
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