OS CEM ANOS DE MILLÔR
Reginaldo Vasconcelos*
No próximo dia 16 de agosto vai ser comemorado o centenário do jornalista Milton Viola Fernandes, nas letras Millôr Fernandes, nome que adotou por corresponder ao que consta do assento de seu registro civil, por erro gráfico do cartório. Somando ao que já sabia sobre ele, pesquisei maiores detalhes da sua vida para fazer este registro.
Millôr foi um importante caricaturista, chargista, dramaturgo, escritor, ilustrador, poeta e tradutor brasileiro, o qual atuou como colaborador em grandes publicações nacionais, como as revistas O Cruzeiro e Veja, e o Jornal do Brasil. Escreveu peças de teatro, poesia, textos humorísticos e traduziu obras de Shakespeare e Sófocles.
Era filho do fotógrafo espanhol Francisco Fernandes e da brasileira Maria Viola Fernandes, e nasceu em 16 de agosto de 1923 no Meier, subúrbio do Rio de Janeiro. Por desídia de seus pais, Millôr só foi registrado quase um ano depois, e por isso a data de nascimento oficial é 27 de maio de 1924.
Seu pai morreu de repente em 1925, aos 36 anos, ficando a viúva com a tarefa de criar sozinha os quatro filhos: Milton, Hélio (que também seria jornalista), Judith e Ruth. Apesar de criancinha quando da morte do pai, Millôr lembrava dele como “um homem bonito, bem vestido, que vivia se fotografando” e que “acordava a família patriarcalmente todas as noites para saborearmos salames e queijos”.
Com a morte do marido, a mãe do Millôr, então com 27 anos, foi obrigada a alugar uma parte do casarão em que moravam, e passou a costurar para fora, assumindo a profissão de “modista”, como se dizia na época.
Millôr cursou o ensino básico na Escola Enes de Sousa, no Méier, entre
1931 e 1935. Gostava de dizer que da professora Isabel Mendes guardou a lição
definitiva, sobre aprender o prazer de aprender. Mais tarde essa escola pública
recebeu o nome da referida educadora, mas para Millôr aquela seria para sempre
a “Universidade do Meyer”.
A mãe do Millôr morreu de câncer em 1934, quando ele tinha 11 anos, o que o impactou profundamente:
“Sozinho no mundo tive a sensação da
injustiça da vida e concluí que Deus, em absoluto, não existia”. Os
irmãos se separam, e Millôr foi morar com a avó, num quartinho no fundo do
quintal da casa de um tio materno, na distante Estrada Nova da Pavuna.
Millôr Fernandes compôs o grupo de jornalista talentosos, ousados e irreverentes que fundou do jornal O Pasquim, nos anos 60, em que ganhou fama de filósofo aplicado, pela habilidade de criar frases de efeito que refletiam o contexto social da época, a vida, os relacionamentos, a política, entre outros temas:
“Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem”; “Pais e filhos não foram feitos para serem amigos. Foram feitos para serem pais e filhos”; “A verdadeira amizade é aquela que nos permite falar, ao amigo, de todos os seus defeitos e de todas as nossas qualidades”; “Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.
Millôr foi internado na clínica São Vicente, no Rio, em fevereiro de
2011, sem que a família permitisse divulgar as razões da internação, nem a
evolução do seu estado de saúde. A equipe responsável pelo Twitter do escritor, questionada pelos seus leitores
mais fieis, em meados do mesmo mês respondeu que ele estava “melhorando
lentamente”, sem fornecer maiores detalhes, mas dois dias depois foi divulgado
que Millôr sofrera um “acidente vascular isquêmico”.
Quando o quadro de saúde melhorou ele evoluiu do CTI para um quarto
intermediário, em que permaneceu por cinco meses, recebendo alta no dia 28 de junho. Mas
permaneceu em casa apenas dois dias, quando se sentiu mal e foi internado na
Clínica de Saúde São José, por mais cinco meses. Seguindo a tradicional conduta
de discrição sobre a sua intimidade pessoal, adotada pelo Millôr durante a sua
vida pública, durante todo o período de sua internação a família manteve
silêncio sobre o prontuário médico, até o seu falecimento.
Millôr morreu em seu apartamento em Ipanema, por falência de múltiplos
órgãos, com consequente parada cardíaca, às nove horas da noite do 27 de março
de 2012, o que somente foi divulgado no dia seguinte, por seu filho Ivan
Fernandes.
O corpo foi velado na manhã do dia 29 no Cemitério Memorial do Carmo,
com o comparecimento de grande número de pessoas públicas e sob grande comoção
popular, e foi cremado em cerimônia restrita a cerca de 40 pessoas no Cemitério
do Caju, no Rio de Janeiro.
Em 1984 ele escreveu:
Poeminha com Saudade de Mim Mesmo
Quando eu morrer
Vão lamentar minha ausência
Bagatela
Pra compensar o presente
Em que ninguém dá por ela.
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