segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

CRÔNICA - Com o Exército Não Dói (MMG)

 COM O EXÉRCITO NÃO DÓI
*Marcos Maia Gurgel

 

Como 2º Tenente R/2, do quadro de saúde, lotado no Hospital do Exército em Fortaleza, cedido ao quartel do 23º Batalhão de Caçadores, participei de uma ação cívico-social em um pequeno distrito de Caucaia, região metropolitana de Fortaleza. 

Consultório de campanha montado, iniciei o meu trabalho no começo de uma bela manhã. Primeiro paciente, um falante que foi logo dizendo: 

“Toda vez que o Exército vem aqui em extraio um dente; todo mundo aqui sabe que eu só extraio dente com o Exército, porque com o Exército não dói!”. 

Posicionei o saltitante paciente na cadeira odontológica (de campanha, sem conforto), e comecei a trabalhar. 

De cara fraturei a corroa de um primeiro molar inferior, e então ouvi: “É sempre assim. Vá em frente Tenente, que eu sou descendente de índios e tenho os dentes muito duros”. 

Início de carreira, pouca experiência, corria o ano de 1978. Então pensei em me valer do Capitão-Chefe, mas não o encontrei... Convoquei então um esforçado soldado para me dar apoio e comecei o quebra-quebra, com cinzel e martelo. 

Dava sempre uma paradinha e, preocupado, perguntava: 

– Dói? – e lá vinha a resposta, incontinenti: 

– Como Tenente, se com o Exército não dói? 

Duas horas de luta, consegui o intento, mediquei e  dispensei o paciente. 

À noite, no acampamento, eu já deitado, eis que ouço o índio falante procurando o Tenente Gurgel. Pensei: meu Deus, o coitado deve estar morrendo de dor... 

Com o coração em sobressalto me dirigi a ele e perguntei: 

– Você está com algum problema? Está com muita dor? – e lá veio a resposta enfática: 

– Não estou sentindo nada. Eu vim só saber do Senhor se posso arrancar o dente vizinho amanhã de manhã – e repetiu o velho chavão: 

– Dor que nada, Tenente. Com o Exército não dói!


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