Alea jacta est
Reginaldo Vasconcelos*
Não há mais nada a se debater juridicamente
sobre o impedimento do Governo. A tese penal do cometimento de dois crimes de
responsabilidade pela Presidente da República, no curso do mesmo mandato, já
foi exaustivamente demonstrada. Levando-se em conta apenas os fatos
determinados formalizados no pedido de impeachment em processamento, mesmo
consabida e desprezada a reincidência da mesma prática em mandatos contíguos e
ininterruptos, e a perpetração de novos ilícitos que embasam o pedido de impeachment que a OAB protocolou.
A sorte está lançada, a depender agora do
sucesso das negociatas financeiras do ministro proscrito Lula da Silva com os
"picaretas" do Congresso. Fala-se em envelopes de dinheiro, pois como
o futuro do Governo é incerto a promessa de cargos não vigora.
Mas resta comentar a atuação patética dos
defensores da "Presidenta", na comissão do impeachment
na Câmara, a começar pelo advogado Ricardo Lodi, que é sócio do escritório de
advocacia a que pertenceu (e continua afetivamente ligado) um Ministro do
Supremo nomeado pela Dilma.
Aquele advogado, antes de começar a falar
já foi desmascarado, ao se passar por professor titular de Direito de uma
Universidade, para depois se revelar meramente integrante de uma ala de
suplentes. Então, se pretendia atuar como jurista independente, logo de saída
caiu dos saltos. Era mesmo um simples advogado, atuando a soldo da Presidente.
Na sequência, ele e o nosso triste Ministro
da Economia deram exemplos absolutamente singelos para comparar as finanças públicas
com o orçamento pessoal de qualquer um, na tentativa ingênua de descaracterizar
os créditos do Governo junto a instituições financeiras federais como
empréstimos disfarçados, que para eles seriam meros atrasos em convênios de
prestação de serviço, que também teriam ocorrido em governos anteriores.
Ora, de fato, no caso dos outros Governos, as
operações sempre foram em valores módicos e atrasaram alguns dias. É o que se
podia denominar de “delitos de bagatela”. No caso do Governo Dilma criou-se um
passivo de mais de cinquenta bilhões de reais, que perdurou meses seguidos, de
modo que estes “atrasos em convênios” se convolaram, na prática, em empréstimos forçados. Pior que isso, tudo motivado por despesas de campanha exorbitantes, no
pacote de enganações visando à reeleição da Presidente.
No outro dia o Advogado Geral da União (que
a rigor deveria defender a República, e não a Presidente), começou a sua
peroração defensiva como se falasse a uma plateia de meninos. Passou longo
tempo fazendo a narração tautológica de fatos amplamente conhecidos e
incontroversos, incorrendo em cansativo truísmo, e ao entrar no mérito começou
com uma inverdade técnica – sempre a mentira como instrumento de Governo,
visando enganar os leigos e os incautos.
Não. A palavra “atentado” e suas cognatas não indicam, no
jargão jurídico, um ato de maior gravidade e de consequências mais traumáticas – tendo conotação ainda mais branda do que outros sinônimos mais pesados. O senso comum pode ter essa impressão porque a palavra, por mera convenção da
linguagem jornalística, ficou relacionada a atos sangrentos de terrorismo.
Todavia, para os juristas, “atentar contra a Constituição Federal é
simplesmente “desrespeitar” a Carta Magna.
“Atentado ao pudor”, por exemplo, ilícito
configurado pela prática de atos libidinosos forçados contra alguém, tem muito
menor potencial ofensivo do que o crime consumado de estupro, e, portanto, é
menos grave. Por outro lado, comete “atentado” quem é
parte em ação judicial cível e desobedece ordem liminar exarada pelo juiz do
feito em sede de antecipação de tutela, colocando potencialmente em risco a
futura eficácia da sentença. Nada que importe em gravidade penal. A outra parte
impetra uma Ação Cautelar Incidental de Atentado, em apenso à ação principal, e
o “desrespeito” é revertido.
Hasteiam ainda os advogados do Governo a
tese risível de que o processo de impeachment
seria um ato de “vingança” de Deputado Eduardo Cunha, ou do Vice-Presidente
Temer, ou do Senador Delcídio do Amaral.
Pergunta-se: De que, e por que, estas
pessoas estariam se vingando? Ora bolas! Michel Temer foi vice-presidente da Dilma
durante todo o seu primeiro mandato; Eduardo Cunha foi aliado do PT durante
anos – e foi nessa condição que se envolveu no “petrolão”, pois indicava
diretores da Petrobrás e tinha como influir em licitações.
Delcídio do Amaral – coitado – era Líder do
Governo no Senado quando foi pilhado tentando proteger o Lula nas delações do
Cerveró. Então, por que cargas d’água eles quereriam se vingar agora? Ademais,
nenhum deles é autor de pedido de impeachment
contra a Dilma. Enfim, o discurso do Governo é de um nonsense absoluto.
Mas para coroar o surrealismo do momento o palavroso
Ministro Marco Aurélio Mello, sempre tão judicioso, desce dos píncaros augustos do Supremo Tribunal
Federó para inovar nas perspectivas
jurídicas do Governo.
Admite em entrevista à imprensa o possível caráter
golpista de um processo de impeachment; depois
declara que, uma vez afastada a Presidente pelo método democrático, ela ainda
poderia recorrer o STF, o que é um paralogismo.
Recorrer se pode sempre, contra tudo e
qualquer coisa, mas prosperar no recurso não se pode, diante da flagrante “impossibilidade
jurídica do pedido”. Após o julgamento final pelo Senado da República, sob a regência
do Ministro Presidente do Supremo Tribunal – é claro que essa matéria transita
em julgado incontinenti.
Mas o Ministro Mello não descansa, e
continua escandalizando o mundo cochinha* com suas pérolas de exotismo. Por
último, ele concedeu uma decisão liminar forçando o Presidente de Câmara a
acatar esdrúxulo pedido de impeachment
contra Temer.
É curial que a condição de vice-presidente
é secundária, de modo que este apenas supre as ausências físicas do titular, e,
portanto, não tem autonomia para adquirir “domínio do fato”. Assim, ao defender o ingresso da ação contra
Temer, o Ministro admite tacitamente as razões do impeachment contra a Dilma – é claro.
Mas se o vice apenas seguiu as rotinas
administrativas do superior hierárquico, não pode ser acoimado. Aliás, poderia
sê-lo, se na eventualidade de assumir a Presidência tivesse dissentido das
políticas fluentes, assumindo uma decisão errática própria incorrendo em crime de responsabilidade. E, desenganadamente, não foi isso que
ocorreu.
*Cochinha: Cada um dos gomos de um cabo ou corda. O cabo de guerra que a sociedade vence contra os defensores do Governo é formado de "cochas", assim como a corda ética que será “acochada” no pescoço dos desonestos federais.
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