quarta-feira, 10 de setembro de 2014

ARTIGO (RMR)

O SENTIDO DA REALIDADE
Rui Martinho Rodrigues*

Anuncia-se o mensalão II, agora na PETROBRAS. O primeiro terminou contraditoriamente entre condenação e elogios aos envolvidos no ataque as instituições e ao erário. Os elogios agora parecem significar a atitude de quem diz: “Faremos novamente, continuaremos fazendo sempre, os nossos fins políticos justificam tudo, e o serviço que [supostamente] prestamos à sociedade nos faz merecedores de recompensas pecuniárias”.

Indagaria Isaiah Berlin: qual é o sentido de tal realidade? Realismo político, simples corrupção, mistura de corrupção com atentado às instituições republicanas – são as interpretações postas.

Realismo político é interpretação leniente. Não há realismo no solapamento das instituições; e na escolha consciente de aliança com atores desqualificados. Mais grave: o alto preço pago na forma de corrupção não inclui as reformas necessárias, seja no campo tributário, da política industrial, no campo político institucional e tantos outros. O argumento da governabilidade falece diante da paralisia do governo. Pratica-se corrupção em nome de uma governabilidade que não se concretiza. Busca-se confundir a opinião pública com o argumento do realismo político. Pratica-se, ainda, autoengano e apego ao poder.

O sentido da realidade política marcada pela corrupção não é matéria apenas de natureza moral, como sugere a defesa orientada para desqualificar a fonte das denúncias como “moralismo”, ao invés de afirmar a própria inocência. A natureza moral não é algo desprezível. A banalização do mal é perniciosa. Dizer que “sempre foi assim” ou que “os outros também fazem”, além de cínico, é falso. Sem querer parafrasear Churchill, nunca tantos praticaram tanta corrupção, com tanta desenvoltura, em tão grande escala, contra tantos. A ética da responsabilidade, própria da política de Estado, não se confunde com a simples supressão da ética. Trata-se de um procedimento no qual se definem os valores em colisão para estabelecer uma hierarquia entre eles. Tal hierarquia deve ser bem fundamentada.

Não há ética da responsabilidade nem ética alguma no sacrifício do erário e das instituições democráticas. Pior ainda quando isso não serve de arrimo a nenhum outro valor supostamente em colisão com a probidade administrativa e a defesa das instituições democráticas. A alegada ética dos fins, fundada na certeza subjetiva de “ser do bem”, além de denotar presunção, resulta na supressão da ética e na deformação moral de quem a pratica. Não pode haver sociedade nem política sem ética. Não se trata de “moralismo”. O “ismo” aí pode ser cinismo e oportunismo dos corruptos; e fanatismo dos inocentes úteis.

O fator quantitativo guarda íntima relação com o aspecto qualitativo. A corrupção generalizada, absoluta, guindada a condição de doutrina partidária e de prática de governo degrada as instituições, degenera os políticos, prejudica as empresas estatais, tão amadas pelos seus agressores, além de ser social e economicamente funesta.

*Rui Martinho Rodrigues
Professor – Advogado
Historiador - Cientista Político
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10

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