quarta-feira, 10 de julho de 2013

ENSAIO

O POVO “TEM SEDE DE QUE”...?

Nas ultimas duas décadas, o Brasil experimentou transformações significativas na sua infraestrutura física, e finalmente deu inicio à construção de sua infraestrutura humana. 

Significa dizer que passou a cuidar das pessoas, especialmente das mais pobres, com a implantação de vários programas sociais, notadamente na área da educação, seja em nível médio profissionalizante seja no terceiro grau com a expansão das universidades públicas e com os vários programas de financiamento destinados a instituições privadas, além do programa Ciências sem Fronteiras.

Se olharmos na perspectiva econômica, a grande conquista foi o controle da inflação (ora ameaçado), o crescimento do emprego com carteira assinada, o aumento da renda oriunda do trabalho, a diminuição dos índices de pobreza e a quase erradicação da miséria absoluta com os vários programas de transferência de renda. Credito fácil e barato para comprar o carro e a casa própria, sonho de consumo de todos os brasileiros também não faltou (ver a expansão da construção civil).

Então, qual a gênese dos movimentos sociais que estão deixando os governos e os congressistas sem saber o que fazer e correndo contra o tempo perdido? Logo eles que sempre impuseram à sociedade suas vontades confiando na histórica letargia do povo!


Se, de alguma forma, a fome foi saciada, a sede continua desidratando os sonhos e as perspectivas de que se construa no Brasil uma Democracia horizontalizada onde os cidadãos tenham acesso a todos os serviços a que têm direito, com a qualidade exigida pela Cidadania.

As conquistas referidas deram a falsa sensação à elite dirigente de que tudo ia bem, e que o povo, que, historicamente, se conformou em receber o que conhecemos em economia como ganhos trickle-down (migalhas), assim ia permanecer.

Lêdo engano. Como nos ensina David Landes em A Riqueza e a Pobreza das Nações, “uma moeda estável não é a cura para tudo”. Os Titãs também nos ensinaram outra bela lição: “A gente não quer só dinheiro, A gente quer dinheiro e felicidade, A gente quer inteiro e não pela metade”.

Os movimentos que estão nas ruas - e espero que continuem -  são a materialização de uma mobilização silenciosa que vem sendo construída no interior da sociedade brasileira, cuja essência se funda na substituição imediata da escala de valores da elite dirigente pelos valores daqueles que representam o que há de melhor nesse país, o seu povo.

Ao contrário do que alguns podem pensar, esses movimentos começaram a ser construídos no inicio dos anos oitenta e noventa, quando os que hoje estão nas ruas estavam nascendo e, em função dessas mudanças porque passou o país nesse período, chegaram às universidades e formaram uma consciência político-cidadã fundada numa escala de valores que evidencia uma assimetria com os valores daqueles que dirigem a nação.

Daí porque não aceitam os oportunistas partidários, sejam da esquerda, do centro ou da direita, numa clara posição apartidária. E é bom que seja assim, pois os partidos que aí estão não mais representam as expectativas e não têm mais a confiança que lhes foi depositada. Perderam a legitimidade.

Quando examinamos essas manifestações pela percepção política, recorremos a  Zygmund Bauman que, na obra EM BUSCA DA POLITICA,  afirma: “os legisladores fazem suas escolhas antes dos indivíduos e lhes reduzem o leque de opções”. 

Isso é tão verdadeiro que agora mesmo, quando a Presidenta propôs o plebiscito ao Congresso, as opções a serem apresentadas ao povo já estão pré-selecionadas. Seriam essas opções aquelas sobre as quais a sociedade gostaria de se manifestar? É possível que não!

Foram as escolhas feitas pelos legisladores e pelos governos nas ultimas três décadas, excluindo os indivíduos do direito de construir sua própria agenda, que nos legaram como resultado a “crise de valores” e tantas outras que estamos vivenciando.

O que se está colhendo agora é consequência da assimetria existente entre agenda definida pela política ao longo da nossa história, onde a maioria dos indivíduos foi totalmente excluída, e a natureza do sentimento coletivo que pulsa nas ruas dizendo: “A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte...”.

Por Arnaldo Santos
Jornalista e doutor
em ciências políticas

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