O POVO “TEM SEDE DE QUE”...?
Nas
ultimas duas décadas, o Brasil experimentou transformações significativas na
sua infraestrutura física, e finalmente deu inicio à construção de sua
infraestrutura humana.
Significa dizer que passou a cuidar das pessoas, especialmente
das mais pobres, com a implantação de vários programas sociais, notadamente na
área da educação, seja em nível médio profissionalizante seja no terceiro grau
com a expansão das universidades públicas e com os vários programas de
financiamento destinados a instituições
privadas, além do programa Ciências sem Fronteiras.
Se
olharmos na perspectiva econômica, a grande conquista foi o controle da
inflação (ora ameaçado), o crescimento do emprego com carteira assinada, o
aumento da renda oriunda do trabalho, a diminuição dos índices de pobreza e a
quase erradicação da miséria absoluta com os vários programas de transferência
de renda. Credito fácil e barato para comprar o carro e a casa própria, sonho
de consumo de todos os brasileiros também não faltou (ver a expansão da
construção civil).
Então,
qual a gênese dos movimentos sociais que estão deixando os governos e os
congressistas sem saber o que fazer e correndo contra o tempo perdido? Logo
eles que sempre impuseram à sociedade suas vontades confiando na histórica
letargia do povo!
Se,
de alguma forma, a fome foi saciada, a sede continua desidratando os sonhos e
as perspectivas de que se construa no Brasil uma Democracia horizontalizada
onde os cidadãos tenham acesso a todos os serviços a que têm direito, com a
qualidade exigida pela Cidadania.
As
conquistas referidas deram a falsa sensação à elite dirigente de que tudo ia
bem, e que o povo, que, historicamente, se conformou em receber o que
conhecemos em economia como ganhos trickle-down
(migalhas), assim ia permanecer.
Lêdo
engano. Como nos ensina David Landes em A Riqueza e a Pobreza das Nações, “uma
moeda estável não é a cura para tudo”. Os Titãs também nos ensinaram outra bela
lição: “A gente não quer só dinheiro, A gente quer dinheiro e felicidade, A
gente quer inteiro e não pela metade”.
Os
movimentos que estão nas ruas - e espero que continuem - são a materialização de uma mobilização
silenciosa que vem sendo construída no interior da sociedade brasileira, cuja
essência se funda na substituição imediata da escala de valores da elite
dirigente pelos valores daqueles que representam o que há de melhor nesse país,
o seu povo.
Ao
contrário do que alguns podem pensar, esses movimentos começaram a ser
construídos no inicio dos anos oitenta e noventa, quando os que hoje estão nas
ruas estavam nascendo e, em função dessas mudanças porque passou o país nesse
período, chegaram às universidades e formaram uma consciência político-cidadã
fundada numa escala de valores que evidencia uma assimetria com os valores
daqueles que dirigem a nação.
Daí
porque não aceitam os oportunistas partidários, sejam da esquerda, do centro ou
da direita, numa clara posição apartidária. E é bom que seja assim, pois os
partidos que aí estão não mais representam as expectativas e não têm mais a
confiança que lhes foi depositada. Perderam a legitimidade.
Quando
examinamos essas manifestações pela percepção política, recorremos a Zygmund Bauman que, na obra EM BUSCA DA
POLITICA, afirma: “os legisladores fazem
suas escolhas antes dos indivíduos e lhes reduzem o leque de opções”.
Isso
é tão verdadeiro que agora mesmo, quando a Presidenta propôs o plebiscito ao
Congresso, as opções a serem apresentadas ao povo já estão pré-selecionadas.
Seriam essas opções aquelas sobre as quais a sociedade gostaria de se
manifestar? É possível que não!
Foram
as escolhas feitas pelos legisladores e pelos governos nas ultimas três décadas,
excluindo os indivíduos do direito de construir sua própria agenda, que nos
legaram como resultado a “crise de valores” e tantas outras que estamos
vivenciando.
O
que se está colhendo agora é consequência da assimetria existente entre agenda
definida pela política ao longo da nossa história, onde a maioria dos
indivíduos foi totalmente excluída, e a natureza do sentimento coletivo que
pulsa nas ruas dizendo: “A gente não quer só comida, a gente quer saída para
qualquer parte...”.
Por Arnaldo Santos
Jornalista e doutor
em ciências políticas
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