sábado, 26 de janeiro de 2013

ENSAIO


NÓS MERECEMOS

O Brasil, entre tantas mazelas políticas e econômicas, enfrenta hoje uma guerra franca contra o craque, contra o crime, contra a violência urbana, coisas que têm ligação umas com as outras. Dizia um filósofo mundano amigo meu, com alguma razão, que a metade do País está insana, e a outra metade anestesiada.

De fato. Todos os dias vemos nos noticiários da TV (com a vantagem evolutiva dos vigilantes equipamentos de vídeo, que hoje são onipresentes), a bandidagem violentando a sociedade: delinquentes sequestrando pessoas, explodindo cofres, atirando uns contra os outros, atacando os cidadãos, matando crianças, barbarizando velhos e grávidas, e investindo indiscriminadamente contra policiais, com ousadia inusitada. Absoluta insanidade.


Nas cidades, grupos de zumbis se drogam em via pública e à luz do dia, e obviamente praticam roubos e furtos para sustentar a sua dependência. Homens e mulheres de todas as faixas de idade, inclusive crianças, oriundas de todas as classes sociais, vagam pelas calçadas como se fossem gambás malucos varejando suas presas.

Entretanto, as autoridades, a cidadania, as vítimas em potencial, discutem detidamente sobre os direitos dos bandidos, em vez de focar em objetivas soluções que a todos interessem. 

A imprensa se apressa em exibir vídeos de celulares que flagram e denunciam arbitrariedades da polícia, e os policiais, que vivem sob o estresse da morte, são exemplarmente punidos quando atiram nos bandidos. Quando são mortos, ganham salvas de tiros de festim e honras militares. É muito pouco. É anestesia social na veia.

Cuida-se de desarmar as pessoas de bem, e de proibir que elas escureçam os vidros dos carros, para que tanto polícia quanto assaltantes constatem, no trânsito, sua fragilidade cidadã. Afinal, segundo a mensagem publicitária estatal, "quem usa arma é policial ou bandido".

O aconselhamento oficial é a entrega imediata do patrimônio e da dignidade aos assaltantes, para a preservação da própria vida, bens jurídicos que o poder público deveria garantir aos cidadãos. A cidadania se vê encurralada por predadores sociais, mas grande parte das energias se aplicam à defesa das prerrogativas dos ímpios, e ao esforço de estimular a passividade dos incautos. 

Bandidos são presos e soltos todo o tempo, num círculo vicioso perverso, que se observa a cada vez que a imprensa especializada cobre um novo crime: “O autor do delito é um velho conhecido da polícia!”.

É obvio que um criminoso deveria ser preso pela polícia uma vez apenas, e a partir de então ser entregue à Justiça, permanecendo segregado até que tivesse plenas condições de voltar ao convívio social sem reincidir na delinquência. Claro!

Mas no Brasil os direitos humanos dos delinquentes são prioridade absoluta, enquanto famílias inteiras vivem sob viadutos, ou sobre montanhas de lixo. Essas famílias são compostas por cidadãos que certamente optaram livremente pela penúria e pela miséria. Sim, porque entende a lei que não se os pode incomodar e os demover de sua desgraçada condição, invadindo assim sua esfera jurídica.

Morre uma prostituta brasileira no exterior, desaparece um compatriota nos Andes, constata-se que há um brasileiro entre as vitimas de um terremoto no estrangeiro, então se mobilizam grandes reportagens e se acionam mecanismos diplomáticos para apurar os fatos, para acompanhar as buscas, para repatriar os corpos, o que é justo e compreensível.

Malgrado, milhares de mendigos e favelados conterrâneos morrem todo dia nos guetos e nas ruas das  cidades brasileiras, à míngua de assistência, e têm seus cadáveres jogados na vala comum, sem que isso desperte o interesse de ninguém. Não se pode compreender nem justificar um contraste desses.

Presentemente se discute se seria politicamente correto o estado usar seu poder de polícia para retirar das ruas a multidão de “nóias” que empestam os centros urbanos, consumindo craque, comendo lixo, incomodando a sociedade. Entendem os empertigados teóricos de plantão que ninguém pode ser internado contra a sua própria vontade – não obstante a evidência de que o viciado já não tem vontade própria. 



Não. Pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, as pessoas têm direito de abandonar as famílias e os empregos, de se escravizarem a uma dependência química, acabar com a saúde, destruir suas vidas em público, descer à degradação máxima de trocar sexo por drogas pelos becos da cidade... e a sociedade não tem nada a ver com isso.


Sim. A legislação brasileira vem entendendo que se eu resolver fumar maconha, ou cheirar cocaína, ou aspirar vapor de craque, tomar em comprimidos ou na veia outro alcaloide qualquer,  eu não pratico crime algum: daí em diante serei considerado uma pessoa doente, se adquiro drogas em pequena quantidade para o meu próprio consumo, por presumível dependência irrefreável.

Crime comete quem produz, trafica e me vende a droga. Eu, que faço dela um problema social tenebroso, não sou culpado, mas apenas uma vítima. Pode? Pode! Tudo isso pode e deve acontecer nesse país macunaímico, porque nós o merecemos. “A lei é dura, mas é a lei”, diz um velho provérbio latino. Nós dizemos o contrário: No Brasil, a lei é frouxa, mas é a lei.

Somos nós que elegemos notórios energúmenos para os cargos públicos, e depois saímos às ruas para abjurar a corrupção; somos nós que consumimos drogas proibidas com intenção recreativa, alimentando o tráfico, e depois fazemos passeatas pela paz na sociedade.

Entre outros absurdos, somos nós que sabemos que o homossexualismo não é uma feliz opção da pessoa, mas uma contingência incômoda que nasce com ela, que deve ser compreendida, respeitada e civilmente regulamentada.


Entretanto, nos esforçamos para difundir a ideia oposta de que o mundo gay é uma festa maravilhosa e desejável. Visando combater a abjeta homofobia, resvalamos para uma descabida homofilia, que estimula antipatias e antagonismos. 

Com o futebol cometemos outro rematado desatino. O mesmo repórter, o mesmo dirigente de clube, o mesmo administrador público que aparentemente deploram a violência entre torcedores dentro e fora dos estádios, estimulam a paixão depravada que nutrem pelos escudos de seus times grandes chusmas de brasileiros despreparados, agrupados no que se passou a chamar de “torcidas organizadas”, gente carente de uma causa mais digna e edificante.  

Até o nome dos estádios mudaram para o termo “arena”, local arenoso onde homens e feras se digladiavam no passado. É que quem vive da bola, de cartolas a gandulas, passando pela crônica desportiva, têm interesse em alimentar nos tolos a falsa ideia de que futebol é coisa séria, pela qual se deva matar e morrer, quando não deveria passar de uma mera, sadia e despretensiosa diversão.



Tem mais. Não há notícia de que alguém tenha sido barrado em universidade brasileira em razão da cor da pele, em função de ser índio ou afrodescendente – diferentemente do que já ocorreu no Tio Sam.

Brasileiros com essas características étnicas são minoria no ensino superior porque a maioria deles é pobre, e o Estado não cumpre o seu dever constitucional de oferecer escola pública de qualidade a todo o povo.

Em virtude dessa omissão oficial, o ensino privado se tornou um negócio milionário, inacessível aos mais pobres, de maioria negra, índia e mestiça, que por essa razão têm menos chance de superar o vestibular.

A solução, obviamente, seria universalizar o ensino gratuito, fundamental e médio, investindo na sua qualidade, para que estudantes pobres de todas as etnias, mas em grande maioria mestiços e negros, tivessem a necessária competitividade para ingressar, merecidamente, no ensino superior.

Porém o Governo, resistindo na sua incompetência, em vez de produzir uma escola pública de bom nível, resolveu queimar etapas e copiar os americanos nas políticas de cotas raciais, passando a promover racismo contra os de pele mais clara, ainda que pobres, e abandonando o exclusivo critério do mérito para ascender à faculdade. Pode? Pode. No Brasil pode tudo. 


Tudo isso pode acontecer no Brasil, porque nós merecemos, porque a nossa cultura é capenga, a nossa maneira de ver o mundo é caótica, e até porque a lei tolera, permite, estimula, obriga. Tudo o que aponto e critico aqui, por mais insensato e imoral, tem respaldo legal – de modo que é metajurídico o comentário que produzo. É assim, embora não devesse ser assim. E, parafraseando Shakespeare, “a culpa não está nas estrelas, mas dentro de nós”.

Por Reginaldo Vasconcelos 

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