Circula na Internet há algum tempo um texto explicativo das razões pelas quais não está correto forçar uma forma feminina para a palavra “presidente”, a qual seria “comum-de-dois”, ou seja, invariável, no que se refere ao gênero-sexo. E foi essa linha mais escorreita que adotaram a imprensa livre, os jornalistas independentes dos ditames do Planalto, os órgãos que seguem cartilhas de correção gramatical.
Todavia, o mestre Aurélio consigna o verbete equivocado – presidenta – embora o mesmo dicionário ensine assim sobre o que é comum-de-dois: "comum-de-dois / Adj. Gram. / Diz-se de substantivo que tem só uma forma para os dois gêneros, como, p. ex., artista, pianista, regente, selvagem; comum de dois gêneros, sobrecomum, uniforme".
Na verdade, dicionários não servem como tira-teima de gramática. Eles registram usos da língua, tanto cultos quanto populares, de modo que o fato de constar nos léxicos não significa que uma palavra esteja certa, na sua melhor forma ortográfica. Indica apenas que aqui e acolá ela tem sido utilizada, com ou sem abonação das regras gramaticais.
O particípio ativo do verbo presidir é presidente, assim como do verbo atacar é atacante, de modo que a jogadora Marta do nosso futebol nunca seria uma “atacanta”. Pela mesma razão, a atual dignitária da República Brasileira não pode ser referida como “presidenta”, sem que o belo idioma luso verta sangue.
Dúvida semelhante surgiu entre nós quando as duas primeiras mulheres assumiram funções de gerentes de instituições financeiras em Fortaleza, pelo fim dos anos 70: Eugenia Camarão, do Bradesco, e Semíramis Becco, do extinto BEC. Elas seriam gerentes ou gerentas? Os intelectuais do Banco do Estado se dividiram na época, tendo ao final da discussão prevalecido o uso uniforme: A gerente.
Diz-se que a própria Presidente Dilma Roussef teria revelado sua preferência pessoal pela aplicação do uso errôneo. Se isso é verdade, parece justo e legítimo que os que se dirijam diretamente a ela a chamem com o vocativo por ela mesma preferido: Presidenta Dilma. As pessoas têm direito de escolher a maneira pela qual querem ser chamadas, mormente uma administradora pública que tem exercido o cargo com tanta correção e dignidade, até porque agnomes e nomes nada têm a ver com a língua pátria. Isso não significa que estejam obrigados os doutos e os jornalistas a trucidar a gramática quando aludirem à Presidente.
No momento, a aplicação do termo presidenta se tornou a pedra de toque do puxa-saquismo federal. Quem houve os locutores da Voz do Brasil, e os apresentadores da TV Brasil, que são empregados de emissoras públicas, nota que eles obedecem aos áulicos que os chefiam, chamando de presidenta a Presidente da República.
Por outro lado, no rádio e na televisão em geral, pelo modo de aludir à Dilma Roussef, os entrevistados se dividem claramente entre os que respeitam a língua e os que se esmeram em agradar a situação. Esse estado de coisas levou a uma interessante patacoada lingüística, durante a sessão do Senado Federal deste dia 15 de agosto.
Na referida sessão do Senado, senadores da oposição anunciavam uma frente parlamentar de apoio à faxina ético-administrativa que Dilma Roussef iniciou. Então, na presunção de que se dirigia diretamente a ela para lhe manifestar solidariedade, cada orador alternava o tratamento, no mesmo discurso, ora Presidente Dilma, mais na frente, Presidenta.
Reginaldo Vasconcelos
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