AS
ELEIÇÕES
OS PARTIDOS E SUA
CRISE
DE REPRESENTATIVIDADE
Arnaldo
Santos*
Os
partidos surgiram, pela primeira vez, naqueles países que adotaram a modalidade
de governo representativo, com suporte na organização dos seus processos civis
e sociais. Esse modelo – bom que se expresse – previa uma gestão do poder por
parte dos representantes do povo.
Em
essência, o nascimento dos partidos tem origem na busca pela criação de
organizações de caráter participativo, quer dizer, em razão do crescente
aumento da demanda por participação nos processos das decisões políticas pelos
diversos estratos da sociedade.
Ainda
no Século XVII, encontramos registros da existência de dois grandes partidos
pertencentes à aristocracia, atuantes no Parlamento Inglês, mas sem relevância
ideológica, e de representação política.
No
itinerário malsão da política brasileira, historicamente, os partidos são a
nossa primeira referência de negação da política como instrumento de
constituição do bem-estar social coletivo, no contexto dos ideais de partidos
programáticos e representativos de uma sociedade democrática.
O caráter
quase que privado que se observa em cada um deles (quase sempre são
propriedades dos latifundiários da política) os distância dos reais interesses
da nossa Nação. Essa distorção se evidencia e se confirma a cada eleição, com
procedência nos postulantes que nos oferecem como opção eleitoral; esse fato foi
observado agora, no primeiro e segundo turnos das eleições municipais, com as
exceções que confirmam essa regra.
Nesse
contexto, deparamos outro problema que implica repercussão direta na
representatividade política, pois, na cultura democrática brasileira,
cultivamos uma tradição de muito interesse e valor pela eleição para o Poder Executivo,
representado pelos candidatos a Presidente da República, Governador e Prefeito,
e conferimos pouca importância à eleição para o Poder Legislativo.
Esse comportamento
desazado conduz-nos, quase sempre, a negligenciar as escolhas que fazemos para
a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, ao ponto
de nem evocarmos os nomes das pessoas em quem votamos para vereador, deputado
estadual, distrital e federal, na última eleição.
É tão
evidente o interesse pela eleição dos titulares do Poder do Executivo, nos três
níveis da Federação, (incluindo o DF), que de um dos integrantes da chapa
majoritária quase nunca nos lembramos, tampouco lhe conferimos importância. Referimo-nos
aos candidatos a vice, que, ao nosso sentir, padecem do que chamamos de pecado
original, pela maneira como são escolhidos.
Tradicionalmente,
aqueles pinçados para o cargo de vice são indicados por um dos partidos
coligados, e, na cultura política nacional, servem como moeda de troca para
aumentar o tempo nos meios de comunicação, notadamente na TV e no rádio, e
financiamento da campanha da coligação. Embora
eles se prestem para ajudar a eleger, não necessariamente servem para
governar, pois, quase sempre, não gozam da confiança do titular, na medida em que,
sendo de outro partido, têm interesses políticos distintos, a começar por
almejar suceder o eleito no próximo pleito.
É
nesse âmbito que identificamos a gênese dos rompimentos políticos,
especialmente entre os prefeitos e seus vices, que, ao contrário do que entende
o senso comum, têm funções que vão muito além de substituir eventualmente o titular
em suas ausências, conforme o que preceituam as leis orgânicas de cada
município. Aliás, na era das tecnologias e da comunicação online,
com a digitalização crescente dos processos civis, políticos e sociais, a
existência do vice, apenas como substituto eventual do eleito, já não se justifica.
Teoricamente,
um vice-prefeito ou vice-governador que detenha formação técnica e experiência
política, independentemente de a sua filiação partidária ser diversa da do titular,
não invalida sua participação efetiva no governo que ajudou a eleger. Ele, não
somente pode, como deve ser bem mais útil e atuante, acumulando, por exemplo,
a função de secretário de uma pasta que tenha atribuições substantivas na
estrutura administrativa.
A
rigor, os partidos deveriam ser a porta de entrada para o efetivo exercício de
uma práxis política, segundo nossas ideações, como organizações
defensoras das reivindicações coletivas dos representados, nos oferecendo como
opções eleitorais cidadãos vocacionados para o nobre exercício do poder
político. Entretanto, sob o aspecto ético e também moral dos candidatos, o que se verifica é uma aguda deterioração, com
graves influxos na qualidade da representação política, em desfavor à democracia.
Para a
consecução desse fim, aos grêmios partidários impõe-se a adoção de critérios no
processo de formação dos seus quadros,
mediante o estabelecimento da exigência de um padrão moral e ético, bem como de
um perfil democrático, aos seus filiados, como precondição para se conceder
legendas aos postulantes que disputarão mandatos eletivos. Deveriam, mas, na
prática, o que prevalece é, tão-só, a “má-intenção” daqueles que buscam se
servir da política, em detrimento do bem social.
São as
explicações para essa distorção encontradas na famosa definição de Marx Weber, na qual ele ensina que “[...] os partidos têm caráter associativo, obedecem a um
fim deliberado, seja ele de ‘objetivo’, a realização de um plano com intuitos
materiais ou ideais, seja ‘pessoal’, isto é, destinado a obter benefícios,
poder, e consequentemente, glória para os chefes!”.
No
Brasil, essa definição foi interpretada, e é exercida pelos chefes (donos) dos
partidos ao pé da letra, haja vista o caráter personalista de nossa cultura
político-partidária. Não é por acaso que quase todos os políticos buscam ter um
partido para chamar de seu, o que levou a essa profusão de legendas
consideradas de aluguel. Na história recente identificamos nas eleições do
ex-presidente Collor (PRN) e do atual (pelo PSL) exemplos emblemáticos dessa
realidade.
A
existência e a estruturação dos partidos, na teoria política, se fundam ou
deveriam se fundar, no princípio democrático da participação cidadã, e da
representação política da sociedade, para afirmação de um Estado autônomo e
soberano, assegurando a participação do cidadão nas decisões políticas,
entretanto, na realidade em curso, não é o que se constata; ao contrário, é
nesse contexto que se evidencia a falta de representatividade dos partidos.
Como é
consabido, nos períodos de crises políticas e de transformações econômicas e
sociais, com influência direta na ordem tradicional e constitucional da
sociedade, como a que vivemos agora no Brasil, a demanda por participação fica
ainda mais intensa, na defesa, especialmente, da democracia, e aos partidos caberia o papel de mediador dos
conflitos e dessas transformações, mas não é o que ocorre, pelo menos na
realidade fluente.
Com
tal ação, os partidos brasileiros, à extensão da história, foram não só perdendo
a legitimidade intrínseca da representatividade política do País, como legaram
às gerações de hoje o desestímulo à participação política, levando o cidadão de
bem, vocacionado a servir na vida pública, a ter vergonha de participar.